São Paulo, terça-feira, 04 de janeiro de 2011
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ANNA VERONICA MAUTNER

Tentativa e erro


Numa época em que ter uma falha apontada é visto como humilhação, como ensinar e aprender?

ALUNOS AMEAÇAM face a face professores em sala de aula. Ameaçam por quê? - perguntar-se-ia há 50 anos.
Nos meados do século passado, enfrentar um professor era dificilmente concebível. A hierarquia era uma regra que se impunha por si só.
O respeito mútuo -pois o professor também respeitava o aluno -acompanhava a tradição.
Existiam piadas sobre o rato ou o sapo que Juquinha punha no caminho da professora, para assustá-la. Mas, no corpo a corpo, isso não acontecia; nem nos sonhos mais ousados.
Ouvi contar que alunos, escondidos, esvaziavam o pneu do carro de um professor, jogavam água ou tinta em diário de classe.
Em escolas religiosas, esse tipo de manifestação rebelde inexistia ou, pelo menos, era bem mais encoberto.
Queixar-se de professor era comum, mas pelas costas. Disfarçar e dissimular os conflitos e as simpatias era algo comum.
Não estou aqui para defender esses recursos usados pelas gerações passadas. Mas o seu uso contribuía para que fosse exercitada a capacidade de tolerar frustrações e desconfortos, sem levá-los às últimas consequências.
Toda escola tinha uma professora que era a mais amada e aquelas que eram o pesadelo de todos. "Cair com dona Iolanda? Que horror!" Mas dona Iolanda existia e cabia a uns tantos alunos aguentar algum ano com ela.
(Falo, como vocês estão vendo, de um tempo em que os mestres acompanhavam muitas gerações, professores ficavam numa mesma escola por décadas.)
É difícil imaginar um mestre que possa exercer sua competência pedagógica sem autoridade para corrigir erros. Comportamento tem que ser corrigido, assim como caligrafia, apresentação de trabalhos e conteúdos.
Numa época como a nossa, em que ter uma falta ou falha apontada é visto como humilhação, e a repetição e a imitação são um martírio, como ensinar e como aprender?
Impor cânones é visto como autoritarismo. Exigir boa apresentação e cobrar demonstração do que foi aprendido é visto como forma leve de perseguição. A imposição de tarefas não criativas, não inventivas, é tediosa e deveria poder ser evitada.
Assim não se ensina e nem se aprende. Tentativa e erro, repetição, verificação, correção são o caminho para a assimilação.
Para que eu me aproprie de um novo saber, é preciso verificar se o conteúdo (dois e dois são quatro) é correto.
Se isso já foi aprendido, meu saber pode ser colocado à prova, apresentado de forma oral ou por escrito, para verificação.
Professor com medo do aluno, como qualquer ser humano, vai evitar esse desconforto. Vai observar pouco, vai verificar o estritamente necessário, vai fugir do eventual confronto.
Assim não se adquire método de trabalho, não se aprende ordem e conteúdo.
Não se nasce sabendo. Comportamentos se treinam. Num ambiente de medo, o treinamento vira uma série de falhas. Onde domina o medo do erro, onde se evita a falha em vez de corrigi-la, onde se evita o confronto, se aprende pouco.

ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)


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