São Paulo, quinta-feira, 04 de fevereiro de 2010
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OUTRAS IDEIAS

MICHAEL KEPP

O adeus virtual


O adeus on-line choca e silencia quem o recebe porque a pessoa não pode nem mesmo perguntar por quê


A internet revolucionou os relacionamentos a tal ponto que permite iniciá-los e encerrá-los on-line. Isso faz sentido se o relacionamento for virtual ou se os internautas tiverem idades entre 11 e 13 anos. Mas o que acontece quando, entre o alô e o adeus virtuais, duas pessoas tiverem compartilhado o mais íntimo dos atos?
Será que o ato final não mereceria certo grau de intimidade? Sim, mas agora o e-mail e a mensagem de texto tornam mais fácil a separação, pelo menos para os que a desejam. Com isso, evitam a inconveniência de testemunhar a dor causada. O adeus on-line está mais comum, segundo amigos meus que já receberam esse torpedo.
Se Paul Simon compusesse "Fifty Ways to Leave Your Lover" hoje, esse tipo de desfecho estaria no topo da lista. O adeus on-line choca e silencia quem o recebe porque a pessoa não pode nem mesmo perguntar por quê. Nem pode ver um rosto ou ouvir uma voz capaz de denotar o sentimento que existe por trás do olhar ou sob as palavras.
Às vezes esse sentimento -seja uma lágrima, seja a incapacidade de formular uma frase- pode reduzir a humilhação que o outro sempre sentirá. Até mesmo enfrentar a escassez de sentimentos, uma demonstração de que você pouco significava para o outro, pode ajudar a virar a página.
Confrontar essa indiferença pessoalmente também é humilhante. Mas o sentimento é multiplicado quando vem por e-mail ou mensagem de texto. A entrega é tão brutal e impessoal que a mensagem enviada é a de que você nada significa para a outra pessoa, a ponto de nem merecer um telefonema.
Ainda que o telefone seja uma maneira mais pessoal de dizer adeus, continua a ser mais humilhante que um encontro cara a cara. Ao me dispensar por telefone, uma namorada deixou claro que ela pouco se importava comigo. Caso se importasse mais, teria se despedido pessoalmente. É isso que faz a pessoa que tem sentimento tentar diminuir a dor do outro.
Caso alguém desejasse tornar mais cruel a separação, a internet propiciaria as ferramentas. Quem inicia a separação poderia enviar uma mensagem de texto, informar a todos em sua página no Twitter e convidar os interessados a se atualizarem em seu blog. Em seguida, apagaria a foto da ex-namorada(o) do Facebook e incluiria a foto da substituta.
Mas a internet é democrática e permite que todo mundo use essa ferramenta. No filme "Amor sem escalas", uma mulher desenvolve um sistema de videoconferência que permite que sua empresa demita, on-line, os funcionários de outras companhias que são covardes demais para fazer esse trabalho.
Depois, ela mesma fica arrasada quando seu namorado a dispensa por meio de uma mensagem de texto. A mensagem da cena: como inventora dessa tecnologia, ela merece sentir como é cruel terminar com alguém via internet. Será que todos os que já descartaram alguém on-line não mereceriam um adeus semelhante?

MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 27 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)

www.michaelkepp.com.br

mkepp@terra.com.br


Tradução de PAULO MIGLIACCI



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