São Paulo, quinta-feira, 04 de março de 2010
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OUTRAS IDEIAS

Michael Kepp

Expectativas específicas


[...] EM MAMIRAUÁ, EU EVITEI A DECEPÇÃO AO MUDAR MINHAS EXPECTATIVAS, MAS SEM REBAIXÁ-LAS

Quanto maiores e mais específicas forem as suas expectativas, mais provável será que você saia desapontado. Veja minha recente viagem a Mamirauá, reserva ecológica em um canto remoto do Amazonas. Fui para lá em busca do uacari, um macaco careca, de cara vermelha e corpo recoberto de pelos brancos, um tanto parecido comigo se eu estiver nu e queimadão de sol.
O macaco também é inquieto como eu. É tão arisco, ativo e rápido que é difícil obter mais que um vislumbre dele antes que pule para as copas das árvores para se esconder. Durante minha semana em Mamirauá, nenhum dos ecoturistas conseguiu tirar uma foto do uacari.
Quando, por fim, vi um de relance- uma passageira mancha branca-, perguntei a mim mesmo se aquilo era tudo.
Não. Mamirauá, criada para proteger o uacari, abriga macacos menos evasivos, preguiças, jacarés, botos e grande riqueza de aves ribeirinhas. Minha criatura favorita era um tamanduá pouco visto que galgou lentamente uma árvore para me evitar. Assim que se viu fora de meu alcance, olhou para baixo, tão fascinado por mim quanto eu por ele. Estudamos um ao outro por 15 minutos. Enquanto procurava algo específico, encontrei algo especial.
Nem todos são capazes de fazer esse ajuste. Alguns que buscam em vão por gorilas das montanhas em Ruanda, ou pelo quetzal, um pássaro centro-americano igualmente difícil de achar, voltam para casa decepcionados ou com uma sensação de fracasso. Sua obsessão não permite que sejam receptivos a outra coisa que não aquilo que estão buscando. Como disse o escritor Hermann Hesse, "ao tentar atingir sua meta, você deixa de ver muita coisa que está diante de seu nariz".
Minha mulher, menos obcecada que eu pelo uacari, deixou-se cativar pelas figueiras gigantes, pelos cipós se entrelaçando e pelas vitórias-régias floridas. Os americanos, que são a maioria dos que vão a Mamirauá -ir à Amazônia é coisa de americano-, não se desapontam porque nunca ouviram falar do uacari. O que eles encontram é o exótico, do mesmo modo que o que os brasileiros encontram em Paris é o chique.
Minhas expectativas com relação ao uacari poderiam ter causado decepção semelhante às dos que procuram um gorila ou um quetzal. Passei meses contemplando a foto de um desses macacos em um livro sobre Mamirauá, tirada por um amigo fotógrafo que me contou como o animal era visualmente impressionante e inesquecível.
Em Mamirauá, eu evitei a decepção ao mudar minhas expectativas, mas sem rebaixá-las. Algumas pessoas reduzem tanto suas expectativas que se acostumam a receber pouco demais -seja de um casamento, seja de uma carreira, seja de um cruzeiro pelo Caribe. Tornam-se acomodadas, em lugar de ficarem abertas a possibilidades antes não contempladas.
É a diferença entre conformar-se com um limão e usá-lo para fazer uma limonada.


MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 27 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)

www.michaelkepp.com.br

mkepp@terra.com.br

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Leia na próxima semana a coluna de Dulce Critelli


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