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MATERNIDADE
Parto com prazer
Mulheres afirmam ter experimentado orgasmo durante o parto normal; documentário americano relata essas experiências, mas médicos divergem sobre a possibilidade de isso acontecer
BÁRBARA NAVAZA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No lugar da dor, o prazer -um prazer tão
grande que chega a
um orgasmo. Parece
inverossímil (e o é na maioria
dos casos), mas é assim que algumas mulheres descrevem a
experiência pela qual passaram
durante o parto normal.
O documentário americano
"Orgasmic Birth" (parto orgástico), que circula entre grupos
de discussão de parto natural,
trouxe à tona essas histórias.
Exibido no festival de cinema
do Rio de Janeiro em 2008, o
filme é de Debra Pascali-Bonaro, médica especialista no treinamento de doulas -acompanhantes de parto profissionais.
A professora Ana Thomaz,
42, viu o documentário quando
estava grávida pela terceira vez.
"O que mais me surpreendeu
foi que havia pessoas sérias falando do assunto", diz.
Uma dessas pessoas é Marsden Wagner, ex-diretor do programa de Saúde da Mulher e da
Criança da OMS (Organização
Mundial da Saúde). Ele afirma
que existe a possibilidade de
um "parto orgástico" quando
tudo é "igual a quando se faz
amor: um processo tranquilo,
seguro e ininterrupto".
Christine Northrup, autora
do livro "Women's Bodies, Women's Wisdom" (corpos de mulheres, sabedoria de mulheres),
aparece no documentário falando sobre "o segredo mais
bem mantido". A obstetra diz
que o bebê, ao nascer, passa por
todas as zonas envolvidas no
prazer sexual da mulher.
Mesmo assim, Ana Thomaz
não pensava que isso pudesse
lhe acontecer. "Eu achava que
as mulheres do filme apenas
passavam de uma forma muito
elegante pela dor, mas realmente é prazeroso."
No seu terceiro parto, ela estava acompanhada do marido,
uma doula e um obstetra. "Às
7h, entrei no chuveiro e comecei a sentir muito prazer em cada contração", conta.
De acordo com Francisco
Carlos Amelio, obstetra do
Hospital e Maternidade São
Luiz, em São Paulo, é possível
experimentar essa sensação: a
dor que a mulher enfrenta é tão
intensa que o momento da expulsão do bebê gera um alívio
muito grande, "comparável a
um orgasmo sexual".
Foi o que aconteceu com Isadora Canto, 33. As dores das
contrações pré-parto se transformaram em prazer no momento do nascimento. "Na hora em que a minha filha saiu foi
gostoso", diz a musicista.
O ápice aconteceu depois da
expulsão da placenta, quando a
sensação de prazer se juntou ao
alívio do fim do parto. "Eu finalmente pude ficar livre e cuidar dela."
O obstetra Ricardo Hermes
Jones, da Rehuna (Rede pela
Humanização do Parto e o Nascimento), explica que, no parto,
estão envolvidos dois hormônios presentes no orgasmo: a
adrenalina e a ocitocina.
Ele observa que, no entanto,
o prazer é a consequência das
condições adequadas durante o
processo. "É algo inconsciente.
Não se trata de um objetivo a
alcançar, não é uma técnica
nem uma nova moda. Simplesmente é a constatação de que
uma mulher com o suporte
adequado durante o parto pode
chegar a experimentar prazer a
ponto de ter um orgasmo."
"Absurdo"
Para outros médicos, não cabe essa denominação. O ginecologista Mauro Haidar, da
Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), diz que o termo orgasmo não é adequado
para o que se vive em um parto.
"Orgasmo é o ponto culminante do ato sexual da mulher."
Apesar de valorizar a humanização do parto, Renato Kalil,
o obstetra especialista em reprodução humana, acredita
que o termo orgasmo não é correto para a situação.
Sem anestesia, diz, a sensação final é de muita dor. "Pode
ser que algumas mulheres misturem a sensação de dor com a
de prazer, mas falar de parto orgástico é um absurdo", afirma.
Porém, para as mães que passaram pela experiência, como
Kalu Gonçalves, 29, os sentimentos são completamente
distintos. "Não tive nenhuma
dor durante o trabalho de parto", afirma.
No início, a jornalista sentiu-se relaxada. "Fiquei isolada e
quieta", conta. A quietude deu
lugar à euforia quando a bolsa
estourou. Na companhia do
marido e de uma parteira, Kalu
chegou ao êxtase. "Senti a cabeça do bebê encaixando na minha pelve. Depois, ele fez uma
rotação e senti como se fosse
um orgasmo", lembra.
A maioria das mulheres que
passaram pela experiência tiveram seus filhos em casa. No entanto, Francisco Carlos Amelio
diz que tem pacientes que relatam ter experimentado um orgasmo dando à luz na maternidade -o importante, afirma, é
ter as condições adequadas:
"Em alguns lugares, há música,
uma banheira, intensidade luminosa baixa e a companhia de
pessoas queridas".
Amelio diz que normalmente
trata-se de mulheres que vão
ter o terceiro ou o quarto filho,
"porque seus corpos estão mais
preparados".
A representante comercial
Bruna Talocchi, 27, está grávida de oito meses e viu o documentário de Debra Pascali-Bonaro com o marido. "No Brasil,
a gente é criada pensando que o
parto é difícil, que dói muito. As
mulheres ainda têm muitos
preconceitos e medos."
Ela diz, porém, que o seu objetivo não é experimentar um
orgasmo, mas ter um parto feliz, tranquilo e natural.
Ana Cristina Duarte, diretora
do Gama (Grupo de Apoio à
Maternidade Ativa), acredita
que o adjetivo "orgástico" também sirva como uma estratégia
de marketing para falar do parto natural.
Na sua opinião, a maioria das
gestantes não vai chegar ao orgasmo no nascimento do bebê.
"Mas também conheci mulheres que experimentaram um
orgasmo no final do parto e não
se atreveram a falar disso porque sentiam vergonha."
Colaborou JULIANA CALDERARI
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