São Paulo, quinta-feira, 04 de junho de 2009
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MATERNIDADE

Parto com prazer

Mulheres afirmam ter experimentado orgasmo durante o parto normal; documentário americano relata essas experiências, mas médicos divergem sobre a possibilidade de isso acontecer

BÁRBARA NAVAZA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No lugar da dor, o prazer -um prazer tão grande que chega a um orgasmo. Parece inverossímil (e o é na maioria dos casos), mas é assim que algumas mulheres descrevem a experiência pela qual passaram durante o parto normal.
O documentário americano "Orgasmic Birth" (parto orgástico), que circula entre grupos de discussão de parto natural, trouxe à tona essas histórias.
Exibido no festival de cinema do Rio de Janeiro em 2008, o filme é de Debra Pascali-Bonaro, médica especialista no treinamento de doulas -acompanhantes de parto profissionais.
A professora Ana Thomaz, 42, viu o documentário quando estava grávida pela terceira vez. "O que mais me surpreendeu foi que havia pessoas sérias falando do assunto", diz.
Uma dessas pessoas é Marsden Wagner, ex-diretor do programa de Saúde da Mulher e da Criança da OMS (Organização Mundial da Saúde). Ele afirma que existe a possibilidade de um "parto orgástico" quando tudo é "igual a quando se faz amor: um processo tranquilo, seguro e ininterrupto".
Christine Northrup, autora do livro "Women's Bodies, Women's Wisdom" (corpos de mulheres, sabedoria de mulheres), aparece no documentário falando sobre "o segredo mais bem mantido". A obstetra diz que o bebê, ao nascer, passa por todas as zonas envolvidas no prazer sexual da mulher.
Mesmo assim, Ana Thomaz não pensava que isso pudesse lhe acontecer. "Eu achava que as mulheres do filme apenas passavam de uma forma muito elegante pela dor, mas realmente é prazeroso."
No seu terceiro parto, ela estava acompanhada do marido, uma doula e um obstetra. "Às 7h, entrei no chuveiro e comecei a sentir muito prazer em cada contração", conta.
De acordo com Francisco Carlos Amelio, obstetra do Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo, é possível experimentar essa sensação: a dor que a mulher enfrenta é tão intensa que o momento da expulsão do bebê gera um alívio muito grande, "comparável a um orgasmo sexual".
Foi o que aconteceu com Isadora Canto, 33. As dores das contrações pré-parto se transformaram em prazer no momento do nascimento. "Na hora em que a minha filha saiu foi gostoso", diz a musicista.
O ápice aconteceu depois da expulsão da placenta, quando a sensação de prazer se juntou ao alívio do fim do parto. "Eu finalmente pude ficar livre e cuidar dela."
O obstetra Ricardo Hermes Jones, da Rehuna (Rede pela Humanização do Parto e o Nascimento), explica que, no parto, estão envolvidos dois hormônios presentes no orgasmo: a adrenalina e a ocitocina.
Ele observa que, no entanto, o prazer é a consequência das condições adequadas durante o processo. "É algo inconsciente.
Não se trata de um objetivo a alcançar, não é uma técnica nem uma nova moda. Simplesmente é a constatação de que uma mulher com o suporte adequado durante o parto pode chegar a experimentar prazer a ponto de ter um orgasmo."

"Absurdo"
Para outros médicos, não cabe essa denominação. O ginecologista Mauro Haidar, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que o termo orgasmo não é adequado para o que se vive em um parto. "Orgasmo é o ponto culminante do ato sexual da mulher."
Apesar de valorizar a humanização do parto, Renato Kalil, o obstetra especialista em reprodução humana, acredita que o termo orgasmo não é correto para a situação.
Sem anestesia, diz, a sensação final é de muita dor. "Pode ser que algumas mulheres misturem a sensação de dor com a de prazer, mas falar de parto orgástico é um absurdo", afirma. Porém, para as mães que passaram pela experiência, como Kalu Gonçalves, 29, os sentimentos são completamente distintos. "Não tive nenhuma dor durante o trabalho de parto", afirma.
No início, a jornalista sentiu-se relaxada. "Fiquei isolada e quieta", conta. A quietude deu lugar à euforia quando a bolsa estourou. Na companhia do marido e de uma parteira, Kalu chegou ao êxtase. "Senti a cabeça do bebê encaixando na minha pelve. Depois, ele fez uma rotação e senti como se fosse um orgasmo", lembra.
A maioria das mulheres que passaram pela experiência tiveram seus filhos em casa. No entanto, Francisco Carlos Amelio diz que tem pacientes que relatam ter experimentado um orgasmo dando à luz na maternidade -o importante, afirma, é ter as condições adequadas: "Em alguns lugares, há música, uma banheira, intensidade luminosa baixa e a companhia de pessoas queridas".
Amelio diz que normalmente trata-se de mulheres que vão ter o terceiro ou o quarto filho, "porque seus corpos estão mais preparados".
A representante comercial Bruna Talocchi, 27, está grávida de oito meses e viu o documentário de Debra Pascali-Bonaro com o marido. "No Brasil, a gente é criada pensando que o parto é difícil, que dói muito. As mulheres ainda têm muitos preconceitos e medos."
Ela diz, porém, que o seu objetivo não é experimentar um orgasmo, mas ter um parto feliz, tranquilo e natural. Ana Cristina Duarte, diretora do Gama (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa), acredita que o adjetivo "orgástico" também sirva como uma estratégia de marketing para falar do parto natural.
Na sua opinião, a maioria das gestantes não vai chegar ao orgasmo no nascimento do bebê. "Mas também conheci mulheres que experimentaram um orgasmo no final do parto e não se atreveram a falar disso porque sentiam vergonha."


Colaborou JULIANA CALDERARI


Texto Anterior: Robalo ao molho thai
Próximo Texto: Exercício com bula
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.