São Paulo, quinta-feira, 04 de junho de 2009
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[+]CORRIDA

Rodolfo Lucena

Exame de consciência e profissão de fé

Quando minha mãe queria me dar um sermão, nos tempos idos, começava mais ou menos assim: "Rodolfo, põe a mão na consciência e vê se...", e por aí seguia. Há quem faça isso diariamente, revendo seu dia, buscando falhas e refestejando conquistas, preparando a manhã seguinte.
Alguns marcos históricos em nossas vidas até parecem clamar por um balanço: uma semana de namoro, dez dias sem chocolate, o primeiro ano no novo emprego, cinco anos de casamento...
Pois acabo de completar dez anos de maratona. São quase 30 provas de longa distância, uma fratura por estresse, duas hérnias e "ites" de diversos tipos e intensidades. É uma boa hora para o exame de consciência, para tentar descobrir, afinal, o que a corrida ensina.
O maior ensinamento talvez seja a dolorosa constatação de que não somos super-homens. Há limites bem concretos, às vezes descobertos da pior forma possível. Erramos e erramos muito. E somos obrigados a, se não aceitar o erro, saber que é preciso conviver com ele, como um rival inexorável.
Aprendemos também, por outro lado, que somos super-homens. E isso é maravilhoso. É possível a um homem sedentário, gordinho e desengonçado mudar, recriar a própria história. E, com isso, provocar impactos na história dos que o cercam.
Como diz Adriano Bastos, hexacampeão da maratona da Disney e vencedor da maratona de Porto Alegre: "A corrida ensina a ter muita paciência e, principalmente, a trabalhar a superação, acreditar que a gente sempre pode chegar a um determinado ponto".
Esse ponto pode ser um ganho de autoconhecimento, completa a maratonista olímpica Marily dos Santos: "Aprendi que o nosso horizonte é desenhado por nós mesmos. O meu era pra ser rural, depois ficou urbano, depois ficou mundial. Aprendi que existia um mundo lá fora muito maior do que o que os meus olhos enxergavam quando eu era criança".
Ou um mundo cá dentro, relata um atleta amador: "Com a corrida, enxerguei o que realmente era fazer um esporte. Finalmente entendi meu pai" (leia outros depoimentos no blog).
Correr transcende o exercício. É a conquista de um espaço, o desbravar de um território novo que você inclui na vida. Treinando na rua ou em academias, correndo por diversão, para emagrecer ou para melhorar o desempenho, a gente aprende a se expor e a ser mais verdadeiro. Aprende a soltar amarras e ampliar horizontes.
Por tudo isso, digo-lhe: quero mais.


RODOLFO LUCENA , 52, é editor de Informática da Folha , ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record)

rodolfolucena.folha@uol.com.br

www.folha.com.br/rodolfolucena



[...]
"A CORRIDA ME ENSINOU VALORES IMPORTANTES COMO RESPONSABILIDADE, DISCIPLINA E RESPEITO. O ATLETISMO FOI A ÚNICA OPORTUNIDADE QUE TIVE NA VIDA. SOUBE APROVEITÁ-LA MUITO BEM E ME SINTO UM ATLETA REALIZADO."


VANDERLEI CORDEIRO DE LIMA, medalha de bronze na maratona em Atenas-2004


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