São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004
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Decoração

Nada de tecnologia, como previam os arquitetos; a sua próxima casa terá muito verde e materiais ecologicamente corretos

De volta para o futuro

LUANDA NERA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Atenção: ao contrário do que possa parecer, construção ecológica não é uma cabana no meio do mato, sem conforto e infra-estrutura, nem sinônimo de casa rústica, típica de uma aldeia de pescadores ou de uma comunidade indígena. Essa é uma imagem ultrapassada e distorcida, que vem perdendo espaço com a implementação dos conceitos de ecoeficiência e sustentabilidade na arquitetura brasileira.
A indústria nacional da construção já descobriu a fórmula para fabricar produtos ecologicamente corretos. Mas a combinação de arquitetura e ecoeficiência não pode se limitar apenas à substituição de materiais tradicionais. A prática exige também criatividade nas técnicas de construção, como o uso de fontes alternativas de energia e captação da água, além da criação de sistemas de ventilação natural.
Depois de viver por seis anos numa aldeia de pescadores da Amazônia, o arquiteto Gerson Castelo Branco, 56, decidiu voltar para seu Estado natal, o Ceará, e construir sua própria casa.
Na época, há cerca de 20 anos, os conceitos de ecoeficiência e consumo consciente ainda não estavam definidos, mas era efetuado na prática. "A experiência na aldeia foi o meu laboratório, a reformulação dos meus vícios e conceitos de arquitetura. Eu estava isolado, com pouquíssimos recursos, utilizando a mão-de-obra dos carpinteiros que construíam canoas para a pesca. Construí casas extremamente simples e artesanais, com espaços integrados -de conceito "loft"- utilizando troncos de carnaúba comprados em demolições de galpões antigos", afirmou Castelo Branco.
Ambientada em um terreno de 33 hectares e rodeada por sete cachoeiras, a propriedade tem talos de babaçu, usados como paredes, forrações e portas; madeiras de demolição como pisos; e carnaúbas e palmeiras como bases dos pilares, vigas e caibros. Nas paredes, pedras da região. Na cobertura, telhas recicladas.
"Essa casa foi totalmente intuitiva, não passou pela prancheta. Utilizei materiais que estavam a mão, que a natureza forneceu. Apesar de muita gente elogiar, há ainda um grande preconceito. O padrão brasileiro, que vem da cultura portuguesa, diz que as casas devem ter estrutura quatrocentona, sólida, de concreto. Mas essa não é a nossa realidade."
Nova consciência

NOVA CONSCIÊNCIA
É também o que pensam os novos arquitetos, que iniciam a carreira priorizando a questão ambiental. Lua Nitsche, 31, viu sua primeira obra construída virar atração turística no litoral norte paulista, na Barra do Sahy.
A casa, de 140 m2, localizada num terreno de 800 m2, chama a atenção por conciliar conceitos de modernidade -é prática, funcional e "clean"- com a idéia de ser ecologicamente correta, utilizando madeira de lei certificada na estrutura, laje suspensa para preservar a permeabilidade do solo, com circulação eficiente de ar natural e estabilidade térmica graças ao bolsão de ar entre o telhado e o forro.
"Nossa principal dificuldade foi encontrar mão-de-obra qualificada para trabalhar com as técnicas alternativas. Por isso eu defendo a profissionalização. Ser ecologicamente correto não é ser artesanal", afirma Lua.
Morador da casa da Barra do Sahy, o advogado Fernando Albino, 58, diz que sua principal preocupação foi integrar a obra com o meio ambiente: "A casa passa desapercebida porque a natureza prevalece. Mesmo assim, quem chega perto fica impressionado".
Não somente as cidades litorâneas, ricas em elementos naturais, sediam projetos de construções ecológicas. Em São Paulo, há empreendimentos de luxo que adotam práticas ecologicamente corretas, com a preservação da vegetação existente nos terrenos e valorização da iluminação natural.
De acordo com o comitê de Meio Ambiente do Sinduscon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo), a construção ecologicamente correta é uma preocupação recente.
"Tivemos uma resolução federal 307, do Conama, que obriga os construtores, a partir de janeiro próximo, a apresentar um projeto de gerenciamento dos resíduos. A idéia principal é reduzir ao máximo o lixo produzido e, o que não for possível evitar, que seja reutilizado ou tenha uma destinação correta", explica o construtor André Aranha Campos, 51, do comitê.
Segundo ele, uma pesquisa interna realizada recentemente com 70 profissionais do setor mostra que a conscientização ambiental é valorizada por 46% dos entrevistados. E mais: 96% dos empreiteiros e funcionários já percebem uma mudança de cultura em relação às questões ambientais.
Aposta

APOSTA
O bambu é o material da vez. É o que garantem arquitetos e ambientalistas que pregam a arquitetura ambientalmente responsável, levando em consideração a disponibilidade da matéria-prima e seu uso sem prejudicar o ecossistema.
"Bambu é a matéria-prima do milênio", arrisca a arquiteta Celina Llerena, 47, diretora da Ebiobambu (Escola de Bioarquitetura e Centro de Pesquisa e Tecnologia Experimental em Bambu), do Rio de Janeiro (www.bambubrasileiro.com/embiobambu).
"Até pouco tempo, quem conhecia a técnica para trabalhar com o bambu não contava. Quem não sabia, não tinha onde procurar. Hoje procuramos estimular a utilização desse material, mas sempre alertando para os cuidados com a manutenção e, principalmente, com a extração", diz Llerena.
"É um material renovável, disponível, de baixo custo e perene, que continua gerando gomos ano a ano. Plantar bambu é fácil, mas erradicá-lo é quase impossível", afirma o engenheiro agrícola Antonio Beraldo, 53, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), especialista em construções rurais.
Conhecido como "madeira de pobre", o bambu é utilizado em muitos países da América Latina, principalmente na Colômbia. É muito recomendado para construções que correm risco de desabar diante de abalos sísmicos, segundo o arquiteto Rubens Cardoso, 47, do Instituto do Bambu (www.institutodobambu.org.br), ONG que oferece cursos a profissionais da área.


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