São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004
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Bem-estar

Irritações diárias podem servir como "gatilhos" que levam ao estresse; veja dicas para fugir da doença e depoimentos de quem já a enfrentou

Quando o mundo conspira contra você

ANA PAULA OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma Lei de Murphy pode até justificar pequenos e grandes desastres do dia-a-dia, mas somente ao manter a calma em situações que fogem ao seu controle determinará um quadro de vida saudável ou de estresse, disparado por "gatilhos" escondidos nas menores ações.
Se tudo começa mal, a possibilidade de terminar pior é quase certa. Isso é Murphy. Mas se o dia for de "cabelo ruim", segundo a expressão surgida em um seriado norte-americano dos anos 90, a possibilidade de se juntar à parcela de 70% de brasileiros que sofrem de estresse é muito maior. A doença surge paulatinamente a partir de irritações cotidianas.
A sentença "bad hair day" ("dia de cabelo ruim") designa exatamente aqueles dias em que tudo parece dar errado. E não é simplesmente um bom creme capilar que vai resolver o problema.
Segundo Ana Maria Rossi, presidente no Brasil da Isma (International Stress Management Association), entidade internacional voltada para o estudos sobre o estresse, é fundamental identificar e interromper esses "gatilhos" para não dar continuidade ao que ela denomina de efeito "bola-de-neve".
Dessa maneira, evita-se, por exemplo, que uma topada de dedo do pé contra a cama desencadeie um nível de nervosismo suficiente para acreditar que até a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) esteja conspirando para manter todos os sinais de trânsito fechados à sua frente naquele dia.
Nem tudo, no entanto, pode ser classificado como estresse, mal que resulta em sintomas de ansiedade, irritação e nervosismo à taquicardia, alterações na pressão arterial, problemas gastrointestinais, dificuldade para dormir e dores de cabeça, entre outros. Segundo a médica, o termo foi banalizado. "Lamentavelmente, a palavra está sendo utilizada como se fosse uma emoção. Se estou com raiva de alguém, digo que estou estressada com a pessoa. O estresse não é uma emoção, é um conjunto de reações físicas", afirma.
Ao Equilíbrio, profissionais identificaram quais são seus "gatilhos" e como tentam interrompê-los.
Surpreendentemente, segundo pesquisa da Isma-BR ainda não publicada, padres e freiras seriam profissões classificadas como estressantes. Já aquelas que requerem força, como pedreiro, e as de contato com a natureza e com a arte, são consideradas de baixo nível de estresse.


Colaborou Leila Guimarães, free-lance para a Folha

A peça que não cola
Até parece brincadeira de criança: passar horas absorto em arquitetar casinhas, distribuir os carrinhos na rua pintada a mão e ainda ser pago por isso. À primeira vista, ser maquetista é tentador e possivelmente poderia figurar entre as profissões menos estressantes do mundo.
"A adrenalina de ter de entregar uma maquete amanhã e vê-la ainda hoje apenas na base é desesperadora", confessa o arquiteto maquetista Frederico Cravo, 32.
Seu nível de tensão começa a se instalar em seus ombros quando não consegue encontrar os objetos -como humanos, carros e árvores- na escala necessária. O jeito é procurar mais, já que é inconcebível um bonequinho do tamanho de um poste de luz. E lá se vai mais perda de tempo. "Jogo squash para liberar a adrenalina e gosto de velejar para ter contato com a natureza."
O ápice do estresse ocorre quando nada na maquete dá certo. "As pecinhas não encaixam onde deveriam e o prazo começa a se esgotar. Minhas mãos suam, não faço nada senão me dedicar àquilo. Nessas horas, tento ser o mais racional possível, assim me livro do estresse. Mas confesso que as mãos tremem, o coração bate rápido. Aí o melhor é parar, respirar e tomar uma boa xícara de café."

Energia do cliente
Há quatro anos, o barman -que ainda faz as vezes de webdesigner durante o dia- Danilo Pivato, 29, conhecido como Xuxa, foi diagnosticado com disritmia cardíaca e taquicardia causadas pelo estresse, gerado pelo estresse dos outros.
"Minha profissão exige o trato com uma clientela que usa meu ambiente de trabalho para relaxar. O cliente chega estressado com o chefe ou com a mulher, tem uma desilusão amorosa ou problema financeiro."
Depois de pedir demissão do bar e da namorada e viajar por seis meses, os problemas cardíacos cessaram e ele retomou a função. Seus clientes continuam estressados, mas ele compensa a tensão dos outros relaxando com o paisagismo, massoterapia e ioga.

Música para o corpo
Embora o acúmulo de funções seja naturalmente desgastante, no caso do produtor cultural Antônio Carlos Neves, 39, maestro da Fundação das Artes da Cidade de São Caetano do Sul, sua maior fonte de estresse está na conduta individual de alguns de seus músicos, cuja "irresponsabilidade" citada como freqüente o leva ao ápice de sua irritação.
Um atraso nos ensaios, uma falta ou mesmo um abandono às vésperas de uma apresentação são "gatilhos" suficientes para tirá-lo do sério. Para restabelecer o controle, só quando está à frente da orquestra.

Contra o relógio
A rotina da pediatra Lucila Bizari Fernandes do Prado, 45, é calcada em uma meticulosa programação de suas tarefas: é daquelas que, em janeiro, já possui obrigações marcadas na página de dezembro de sua agenda -sejam profissionais ou pessoais.
Organizada ao extremo, um atraso em qualquer um de seus compromissos, para ela, é mais que desarranjar o planejado: vira sinônimo de nervosismo, irritação e de um profundo sentimento de perda de tempo. "Eu me estresso quando alguém deixa de ir à consulta sem me avisar. Sei que poderia ter programado mil coisas para aquele tempo que estaria vago."
Se acorda com o "pé esquerdo", procura se policiar, pois sabe que, se algo foge de seu esquema, seu nervosismo será descontado em alguém, pacientes ou alunos -ela, além de clinicar, dá aulas na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e administra casa e filhos.
"Lembro de uma vez que fiquei brava com um paciente que chegou atrasado. Só depois percebi e pedi desculpas. Mas tento esquecer, de outra maneira, poderei até ser parcial no atendimento." A fórmula então encontrada para evitar seu principal gatilho de estresse é ter sempre à mão provas para corrigir, assim sente que não está desperdiçando seu tempo. "Fazer ginástica também adianta."

Só rezar não adianta
"A vocação religiosa não é o que me estressa, são as pessoas", afirma Maria Bello Giustina, 52, referindo-se, principalmente, a vítimas da desigualdade social. Altruísmo compreensível, já que se trata de uma freira -da ordem das Irmãs Beneditinas da Divina Providência.
A explicação para que padres e freiras figurem entre profissões estressantes, segundo pesquisa da Isma-BR, fica por conta da vida enclausurada, quando é o caso, falta de apoio comunitário, frustração e dificuldade financeira, além de pouco tempo para estudar.
Contudo, apesar de reconhecer que esses são fatores vêm tirando muito religioso do sério, ela garante manter superioridade no assunto. "Sinto uma cobrança muito grande em dar um testemunho às pessoas, e isso é estressante, pois sempre deve estar edificante", afirma, dizendo que, para lidar com essa pressão, recorre ao bom e velho terço. "É como um tranqüilizante."
Mas, segundo ela, nem sempre ajuda. "A tensão sempre vem quando tenho de falar em público, diante de pessoas que não conheço. Fico tensa, meu rosto fica vermelho, queimando. Procuro me acalmar, sou dona de mim, tento técnicas de relaxamento, pois a oração tranqüiliza, mas nem tudo se resolve rezando."


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