São Paulo, quinta-feira, 05 de março de 2009
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SAÚDE

Adeus ao(s) vício(s)?

No polêmico livro "The End of My Addiction", cardiologista francês diz haver eliminado sua dependência do álcool com o uso de um relaxante muscular

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A cura definitiva para o alcoolismo e outros vícios. É dessa meta que trata "The End of My Addiction" (O fim do meu vício, www.amazon.com; US$ 15,23), livro do médico francês Olivier Ameisen lançado em janeiro na Inglaterra e com previsão de chegar às livrarias brasileiras ainda neste ano.
Em sua obra, o cardiologista e professor de 55 anos descreve de que modo um relaxante muscular utilizado em tratamentos neurológicos desde os anos 60, o Baclofen, pode eliminar completamente a dependência não somente em relação ao álcool mas à nicotina, à heroína, à cocaína, à anfetamina. Segundo Ameisen, o medicamento atua beneficamente em neurotransmissores vinculados a comportamentos compulsivos e disfunções como ansiedade e depressão.
Seus estudos partiram de uma reportagem publicada no "New York Times", em que um homem paraplégico e dependente de cocaína dizia sentir mudanças nos efeitos da droga depois de haver começado a tomar o relaxante.
Aos céticos, Ameisen apresenta uma lista de médicos, pacientes e evidências. A maior delas, haver sido cobaia do próprio experimento: mergulhado no alcoolismo, com a carreira e as relações pessoais a um passo da ruína, o cardiologista tomou diferentes doses de Baclofen (até um máximo de 270 mg) para verificar as reações que teria. Ao final de cinco semanas, relata haver constatado que podia ver uma taça de vinho -e mesmo tomar alguns goles da bebida- sem necessitar mais esvaziar garrafas e garrafas.
A segunda aposta do francês foi, ao dar a conhecer sua descoberta, em 2004, tornar público também o vício que o havia afastado, em 1997 e por decisão própria, dos hospitais em que clinicava na França e nos Estados Unidos.
De sua casa em Paris, o médico, atualmente professor na State University of New York, conversou com a Folha.

 

FOLHA - Por que o uso de Baclofen no combate à dependência química enfrenta resistência da comunidade médica. O que se teme?
OLIVIER AMEISEN
- Não é temor, é choque. Ninguém nunca pensou que fosse possível curar a dependência completamente e em apenas poucas semanas. O Baclofen é um medicamento antigo, usado por neurologistas às vezes em doses bastante altas para oferecer condições benignas como o alívio de espasmos musculares. Especialistas em dependência começaram a usar essa substância para tratar o alcoolismo em 2000, mas, uma vez que não se comunicaram devidamente com os neurologistas, não estão familiarizados com seu uso e o utilizaram em doses muito baixas, como 30 mg por dia. Verificaram que o Baclofen reduz o desejo de tomar álcool. Mas, uma vez que a vontade permanece, os pacientes têm que lutar diariamente, às vezes a cada hora, a cada minuto, para resistir ao desejo de beber. Eu parti da hipótese de que, se você aumenta a dose em alcoólicos humanos, extermina completamente o desejo de beber álcool como acontece com animais, então você elimina a doença. Como eu estava muito doente, decidi testar minha hipótese em mim mesmo. O resultado é que não sou abstêmio (o que requer esforços), sou indiferente ao álcool. A indiferença ao álcool nunca foi vista antes, é uma "première" mundial. Mas não sabia se isso funcionaria com outras pessoas, por isso pedi estudos clínicos. Um dos problemas é que, como o Baclofen é um medicamento antigo, ele perdeu sua patente e se tornou um genérico. Então, diferentemente de outros remédios que são testados para o tratamento de dependências, não há nenhuma farmacêutica que financiaria esses estudos.

FOLHA - De que forma se define a dose para cada caso?
AMEISEN
- Em linhas gerais, o médico prescreve e vai subindo a dose. O critério, por exemplo, é: você é indiferente ao álcool? O que acontece quando você vê uma taça de vinho? Eu posso vê-la, tocá-la, tomar alguns goles, colocá-la onde estava e abandoná-la. A dose eficaz será dita pelo paciente.

FOLHA - Como o tratamento mudou sua vida?
AMEISEN
- Esse tipo de doença, apesar de ser reconhecida como tal, não é vista assim pelas pessoas. Se você tem leucemia ou câncer, ninguém vai dizer: "A culpa é sua". Com o alcoolismo, elas dizem: "Você merece, a culpa é sua, você só tem que parar de beber ou se controlar, como eu faço". O que elas não entendem é que você não pode parar, simplesmente não pode. Claro que minha família e meus amigos não compreendiam isso. Eles racionalmente entendiam que eu não conseguia parar de beber, mas dentro deles não podiam acreditar nisso. Médicos bebem muito, é uma maneira de medicar nosso estresse. Foi uma decisão muito difícil [a de publicar a pesquisa], era o meu nome em jogo. Tenho muitos amigos e colegas alcoólicos, e que eu não sabia que o eram, que me procuraram agora em busca de tratamento. Médicos são seres humanos, eles pegam gripe como qualquer outra pessoa. Conheci pessoas que me disseram: "Não consigo entender, você tem tudo para ser feliz, você é médico". E daí? Marilyn Monroe tinha tudo, era uma mulher bonita e rica. O alcoolismo pode acontecer com qualquer pessoa, não discrimina ninguém.


[...] SE VOCÊ TEM CÂNCER, NINGUÉM VAI DIZER: "A CULPA É SUA". COM O ALCOOLISMO, ELAS DIZEM: "VOCÊ SÓ TEM QUE PARAR DE BEBER OU SE CONTROLAR, COMO EU FAÇO"



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