São Paulo, quinta-feira, 05 de março de 2009
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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

Mágica!


[...] Sem ter estudado neurociência, o mágico sabe que nunca paramos de prestar atenção enquanto estamos acordados

Detesto festas de criança com animadores. Mas, quando há um show de mágica, já estou lá. Adoro sentar no chão com as crianças e me deixar maravilhar com as habilidades do mágico de confundir meu cérebro conforme lenços somem e reaparecem e moedas jorram dos ouvidos alheios.
Sei perfeitamente que há uma explicação plausível por trás de tudo aquilo -mas isso não diminui em nada a experiência. Ao contrário, só me deixa mais maravilhada.
Como eu teria adorado, então, participar da reunião da Associação para o Estudo Científico da Consciência em 2007, muito apropriadamente realizada em Las Vegas, onde houve um simpósio sobre... mágica! Os cinco mágicos presentes demonstraram sua arte e sugeriram aos neurocientistas como usar em laboratório os recursos da mágica para "mexer com a cabeça" dos voluntários.
Mágicos são pessoas com intuições profundas -e grande conhecimento prático- sobre a atenção e a consciência humana, que eles exploram e manipulam em suas apresentações. Sem ter estudado neurociência, eles sabem, por exemplo, que nunca paramos de prestar atenção enquanto estamos acordados; apenas mudamos de foco, e objetos coloridos que aparecem subitamente, assim como movimentos amplos, têm grandes chances de roubar nossa atenção e abrir uma janela de oportunidade para o mágico fazer o que for preciso. Sabem que cerca de dois décimos de segundo não chegam às nossas mentes quando piscamos.
Exploram as expectativas criadas no cérebro por repetições, a ponto de jurarmos que uma bola foi de fato arremessada -e sumiu em pleno ar- só porque vimos as anteriores chegarem ao alvo. E abusam de nossa cegueira para mudanças que ocorrem defronte de nossos olhos durante interrupções como um pano passado à frente de uma pessoa que é então trocada por outra.
Um pouco de mágica em laboratório, portanto, pode ajudar a neurociência a explorar os mecanismos da atenção e da consciência.
Além de entender o que se passa na cabeça de espectadores boquiabertos (como uma intensa ativação do sistema de recompensa, que não pode deixar algo incrível passar despercebido).
O mais importante é que explorar como ela funciona não diminui a graça da mágica. Pelo contrário: mesmo sabendo como sua atenção e consciência estão sendo manipuladas, até uma plateia de neurocientistas é capaz de ser levada por um bom mágico a acreditar que a única explicação possível é... mágica!


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do blog "A Neurocientista de Plantão" (www.suzanaherculanohouzel.com)

suzana.herculano-houzel@grupofolha.com.br


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