São Paulo, terça-feira, 05 de abril de 2011
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OUTRAS IDEIAS

MICHAEL KEPP mkepp@terra.com.br

Casais de duas culturas


Marido e mulher passam seu tempo de lazer juntos não porque prefiram, mas porque é a praxe


Em 1983, quando me mudei dos arredores de San Francisco, a cidade mais progressista dos EUA, para o Rio de Janeiro, sua contraparte brasileira mais tradicional, o feminismo já havia tornado as mulheres mais autônomas socialmente.
Lá, mulheres casadas podiam passar finais de semanas com as amigas em spas campestres, trocando confidências em poços de águas termais, sem que seus maridos se queixassem. Os casais de San Francisco continuam a passar parte considerável do seu tempo de lazer separados, porque precisam de "espaço" - gíria para independência social.
Um amigo meu em San Francisco faz viagens anuais de uma semana com um amigo, para criar "espaço" entre ele e a mulher, ainda que os dois tirem férias juntos.
Tente imaginar uma carioca que dê esse tipo de "espaço" ao marido.
No Rio, o machismo retardou os avanços feministas. Por isso, os casais passam a maior parte de seu tempo de lazer juntos, não porque prefiram, mas porque é a praxe.
Um grupo de cariocas casadas pode sair para uma pizza numa noite de quinta-feira. Mas como seus maridos reagiriam se elas decidissem passar o final de semana numa spa do interior?
Aqui, um amigo carioca se queixa à mulher de que as viagens de negócios de um mês de duração que ela realiza lhe causam sensação de abandono. Nos EUA, não apenas San Francisco, uma cultura workaholic, alguns casais passam muito mais tempo separados do que juntos, devido às demandas de suas respectivas profissões.
Na San Francisco dos anos 80, ser gay, lésbica ou uma mulher casada que optasse por não ter filhos eram inclinações mais aceitas do que no Rio. Lá, se um membro de um casal começasse a almoçar com um desconhecido/a para iniciar uma amizade, seus companheiros/as mais confiantes não teriam ciúme, desde que pudessem encontrar o desconhecido/a "para dar uma olhada nele/a". É uma independência que continua a existir.
No Rio, então como agora, esses almoços causariam ciúme a qualquer companheiro. Um motivo: aqui, a competição sexual, especialmente entre as mulheres, é feroz. A única amiga com quem almoço, eu já conhecia antes de casar. Encontro outras amigas sob a estrutura de dois casais, amigos entre si, que saem juntos. Às vezes, essas limitações sociais me dão saudade da cidade liberal e libertadora que deixei.

MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)


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