São Paulo, quinta-feira, 05 de outubro de 2000
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s.o.s. família

Filhos autoritários de pais obedientes

Rosely Sayão

Parece que, atualmente, um dos maiores problemas dos educadores, sejam eles pais ou professores, tem sido o de entender como praticar uma educação democrática com seus filhos ou alunos. Na teoria, tudo parece ser mais simples. Mas ali, no dia-a-dia em que a educação acontece, a coisa se complica, e os adultos se atrapalham. Por quê? Porque na verdade não é mesmo nada fácil educar levando em consideração a participação de quem está sendo educado. Todos conhecem o tipo de educação autoritária, em que a criança ou o adolescente têm apenas uma coisa a fazer: cumprir o que lhe é determinado. Nesse tipo de educação nada mais importa, a não ser o que os pais querem que ele faça. Se é bom ou não para ele, se ele consegue ou não atender o que é dele exigido, se o jeito de ele ser tem a ver com o que ele tem que fazer e do modo como tem que fazer, nada disso é considerado. Vale apenas uma coisa: a convicção e a certeza dos pais, ou professores, de que isso é bom para ele. E ainda tem gente que sente saudades do tempo em que a educação praticada era essa! Nesse tipo de educação o que importa é a obediência. Dos filhos. Mas não é que, na tentativa de democratizar essa educação, muitos pais e professores, estão virando o jogo? Pois é, mas em tempos de Olimpíada todo mundo sabe o que significa virar o jogo: significa um time, uma dupla ou um jogador passar de perdedor a vencedor. E qual o resultado que temos observado quando os pais viram o jogo na educação? Os filhos, ou os alunos, passam a ditar as regras da própria educação. Sozinhos. Lamentavelmente, nesse caso ainda vale a obediência. Dos pais. Nesse caso, ainda praticamos uma educação autoritária. Um exemplo? Um jovem casal combina com o filho, de menos de 6 anos, que sempre que chegarem em casa juntos será o filho a entrar primeiro em casa. Talvez isso fosse apenas pais sucumbindo a um capricho infantil ou alguma boa estratégia a que os pais chegaram, isso não importa. Acontece que um dia o casal saiu com o filho e voltou um pouco mais tarde do que o costume. Vencida pelo cansaço, a criança chegou dormindo. Mas, antes de continuar o sono tranquilo na cama, acordou e armou a maior confusão por não ter sido o primeiro a entrar em casa. Adivinhem o que os pais fizeram para superar o conflito? Saíram de novo para que a criança pudesse entrar em casa primeiro. Que pais exemplares na obediência ao filho! Mas educação, que é bom, nada. E muito menos educação democrática. Para educar democraticamente não basta virar o jogo: é preciso mudar o jogo, e aí reside a dificuldade. Não se trata de quem obedece e de quem manda, mas sim de dirigir um processo em que os pais têm mais experiência do que o filho, em que os pais têm a responsabilidade, e o filho precisa aprender a ter, em que os pais sabem o que o filho precisa, e o filho acha que precisa do que lhe dá prazer. No nosso exemplo, se os pais tivessem conseguido colocar o filho na cama sem atender aos apelos dele, sem se sentirem obrigados a cumprirem as regras que haviam combinado com o filho a qualquer custo, teriam cumprido seu papel educativo. Não é tão difícil: observei uma mulher conversar com uma amiga, sentada num banco de praça. A filha, uma garotinha vivaz de mais ou menos 4 anos, brincava ao lado com uma amiguinha. De repente decidiu que queria tomar refrigerante e interpelou a mãe de imediato, interrompendo a conversa. A reação da mãe? "Espere a sua vez para falar", disse à filha. E, assim que terminou a frase com a amiga, perguntou à filha o que ela queria. Que belo exemplo de educação democrática essa mãe deu!


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br

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