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entrevista
Coca contra a dependência
Júlio Cavalheiro/Agência RBS
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Arbustos na vila de Asunta, na Bolívia, terceiro produtor de coca depois da Colômbia e do Peru |
Psiquiatra peruano defende o uso médico da folha de coca para recuperar viciados em cocaína e para combater a a osteoporose
TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL
Psiquiatra e doutor em medicina pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro e pesquisador de dependência de drogas
pelo norte-americano ARC/Nida (Addiction Research Center
do National Institute on Drug
Abuse), o peruano Teobaldo
Llosa é precursor de uma tese
polêmica: a retomada do uso
tradicional da folha de coca para auxiliar na recuperação de
cocainômanos. Llosa defende
ainda a utilização medicinal da
erva -cujas folhas são mascadas ou consumidas como chá
em vários países latino-americanos- como suplemento alimentar e para combater males
como a osteoporose e a desnutrição de idosos. De Lima, onde
é diretor da Coca Médica, instituição privada de pesquisas,
Llosa falou à Folha por e-mail.
FOLHA - Como é possível tratar cocainômanos com a folha de coca?
TEOBALDO LLOSA - Minha experiência com o que chamo de cocaína oral [a que está contida
nas folhas de coca e nas infusões] teve início nos anos 80. A
base científica é o que se chama
terapia de substituição ou terapia agonista: usar a mesma
substância viciante por uma via
farmacológica diferente, de
preferência por via oral. Existem duas terapias desse tipo
aprovadas no mundo: os adesivos de nicotina, para controlar
o tabagismo, e a metadona, para controlar o vício em heroína.
A cocaína oral segue o mesmo
princípio, ou seja, usar a cocaína para libertar da dependência. A experiência ao longo de
15 anos com mais de 200 viciados que bebem infusões de coca
ou tomam cápsulas de farinha
de coca demonstrou efetividade superior a 70%.
FOLHA - Não é o mesmo administrar as substâncias presentes na folha ou a droga obtida a partir dela?
Como foram feitos os estudos liderados pelo senhor?
LLOSA - A cocaína oral atua lentamente no intestino, levando
de 15 a 30 minutos para ser absorvida, e gera estimulação. Já
a cocaína inalada ou fumada
como crack atua rapidamente
no cérebro-entre um e três
minutos-, produzindo excitação (estimulação violenta e intensa com aumento na freqüência cardíaca e na pressão
arterial, respiração ofegante e
dilatação de pupilas). Nada disso acontece quando a coca é ingerida. Monitoramos viciados
voluntários, seguindo os protocolos internacionais de pesquisa médica.
FOLHA - A utilização da folha de coca é tradicional em vários países latino-americanos. Para que costuma
ser usada? Há benefícios comprovados para o organismo?
LLOSA - Tradicionalmente, a
folha é usada por 5 milhões de
pessoas na Bolívia, no Peru, nos
limites desses países com o
Brasil -onde se masca a coca
do tipo ipadu-, na Colômbia e
no norte da Argentina, principalmente para ganhar mais resistência ao trabalho. Hoje,
agricultores e mineiros ainda
usam a coca na forma tradicional (mascada e bebida em mates). Ela reduz a fadiga laboral,
estimula o estado de ânimo,
controla o apetite, melhora a
atenção e a concentração. É
uma erva antiestresse de trabalho. Também é muito usada como complemento de vitaminas
e minerais, substâncias que
contém em níveis elevados, e
para combater a osteoporose e
a desnutrição da velhice.
FOLHA - Como são feitas as cápsulas de farinha de coca? Quanto alcalóide de cocaína há em uma delas?
LLOSA - São cápsulas de gelatina com folhas de coca micropulverizadas. Há cápsulas de
500 mg de farinha, que possuem de 2 mg a 2,5 mg de alcalóide de cocaína, e de 1.000 mg,
que possuem de 4 mg a 6 mg.
FOLHA - A produção da farinha de
coca é legal ou é considerada narcotráfico? Quem a produz?
LLOSA - No Peru, a produção legal e controlada de farinha de
coca é monopólio da Enaco
(Empresa Nacional da Coca).
Ela vende a farinha de coca a
clientes registrados. Os países
que não fazem parte da Convenção Única das Nações Unidas sobre Narcóticos [firmada
em 1961, que equiparou a folha
à droga] podem comprá-la.
FOLHA - A coca pode ajudar na recuperação de transtornos psíquicos?
LLOSA - Pode ajudar no tratamento de adultos hiperativos,
melhorando a atenção. Não há
experiência em crianças.
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