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S.O.S. família - Rosely Sayão
Pequenos imperadores
O Estado chinês, para
conter o aumento da
população, há mais
de 20 anos aplica
uma política rigorosa de controle de natalidade para obrigar
as famílias a reduzir a prole para apenas um filho. As que geram mais de um pagam multa e
só podem matricular um único
filho em escola pública. Assim,
mesmo nas famílias mais abastadas, criou-se lá o fenômeno
dos filhos únicos.
No Brasil, não há política oficial de controle de natalidade,
mas a dificuldade econômica
provocou a redução da prole,
principalmente nas famílias de
classe média, já que, para criar
um filho, é preciso investir boa
parte do orçamento familiar.
Aqui, constatamos a formação
de famílias que geram só um
ou, no máximo, dois filhos.
Na China, o fenômeno do filho único transformou o comportamento dos pais em relação ao filho. O exagero de apego, de proteção e de mimos colaborou na construção de uma
geração de crianças com enorme dificuldade em obedecer e
grande talento para mandar.
Lá, eles são chamados de "os
pequenos imperadores"
No Brasil, a cultura da juventude eterna e a do consumo
exagerado têm provocado efeitos semelhantes nas crianças.
Os pais, bastante ocupados
com a própria vida, têm tido
pouca energia, paciência e disponibilidade para a árdua tarefa educativa.
Consideram mais
fácil e amoroso acatar os pedidos -que logo se transformam
em exigências- destas do que
levá-las, pouco a pouco, a
aprender a obedecer e a ver a
vida como ela é. Não temos ainda uma expressão nossa para
nomear essa geração, mas falamos muito em "crianças sem limites", "pequenos tiranos sem
controle", "crianças-problema", "filhos mandões" e "alunos indisciplinados".
Na China, famílias com alto
poder aquisitivo encontraram
um modo curioso de disciplinar
os "pequenos imperadores":
matriculá-los em escolas e em
atividades extracurriculares
que usam a linha dura para
educar. Assim, um acampamento de verão que usa o castigo, inclusive físico, como estratégia educativa faz sucesso.
No Brasil, precisamos considerar que o risco de semelhança com a China nessa questão
existe. Isso porque ainda nos
resta a idéia de que o castigo é
uma boa estratégia educativa
em certos momentos. Assim,
não parece lógico que, em situações extremas de falta de
disciplina, o castigo surja como
uma promessa de redenção?
Vejam como exemplo o sucesso que fazem os programas
de TV que exaltam os castigos
como medidas disciplinares. Os
pais não têm hesitado em pôr o
filho pequeno no cantinho ou
em tirar um brinquedo a cada
mau comportamento. Na China, crianças com cerca de dez,
12 anos levam chicotadas públicas no acampamento mencionado e dizem que o castigo é
merecido. Esse é o equívoco:
delegar às crianças a responsabilidade total pela indisciplina.
Ora, a responsabilidade é dos
adultos que as educam. Se uma
criança pequena desobedece, é
porque os pais assim o permitem, seja agindo como se ela já
soubesse obedecer, seja esperando que obedeça sem ser ensinada ou mandada. E mandar
é muito mais do que dizer o que
deve ser feito. É levar a criança
a fazer ou impedir que faça. Para tanto, não é preciso castigo,
pelo menos antes dos seis anos.
A diferença entre nós e os
chineses, até agora, é que aqui
os pais se permitem usar o recurso do castigo, mas não costumam aceitar que a escola
aplique sanções adequadas
quando os alunos transgridem
normas. Nesses casos, costumam sair em socorro dos filhos,
mesmo quando não deveriam.
Vejam que me refiro a sanções
necessárias, e não às humilhantes e descabidas. Será que manteremos essa diferença?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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