São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2008
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Outras idéias - Michael Kepp

Insultos sutis

Faltam-me a cabeça fria e a língua rápida para chicotear um insulto com uma réplica certeira. Quando penso numa, o momento de usá-la já passou. Os franceses chamam essa resposta tardia de "esprit d'escalier", ou "o espírito que só nos socorre quando já estamos descendo a escada". Mas, às vezes, não sinto a ferroada de insultos mais sutis até já ter descido a escada e saído porta afora.
Vejam os comentários condescendentes. Quando eu, um jornalista, pergunto a especialistas algo que questiona suas opiniões, alguns dizem "a questão é um pouco mais complexa" ou "se conhecesse melhor o assunto, veria...".
As réplicas insinuam que esses especialistas são intelectualmente superiores a mim, um generalista, e precisam me educar. Mas, na primeira vez que ouvi esse insulto camuflado, levei um tempinho para sacar sua implicação e sentir seu impacto.
Alguns elogios ofendem ao revelar, sem querer, um preconceito. Em 2007, o candidato à presidência dos EUA Joe Biden tentou adular o rival Barack Obama, dizendo: "Ele é o primeiro candidato negro articulado, inteligente e limpo". Mas o cumprimento dá a falsa impressão de que candidatos negros, em geral, não possuem essas qualidades.
Alguns elogios ofendem ao revelar, sem querer, uma impressão pouco favorável de você, e não de seu grupo marginalizado. Um amigo, por exemplo, me disse: "Uau! Eu li sua última crônica e, puxa!, foi escrita com muita inteligência mesmo".
Sua tremenda surpresa com meu intelecto me fez ver que, até aquele momento, ele não o considerava parte dos meus dons mais óbvios.
Alguns insultos estão envoltos em elogios ditos com a intenção de ofender. Veja o caso do editor que me disse: "Sua matéria é maravilhosa! Então, por que o resto do seu trabalho é tão medíocre?" Ou o da jovem carioca que me disse: "Você é bem atraente... para um cinquentão calvo". Nos dois casos, o falso elogio foi o míssil que carregava a bomba.
Alguns insultos assumem a forma de perguntas retóricas, ditas não para obter resposta, mas para atingir um alvo. Em uma recente ceia de Natal, eu baixei minha guarda e disse me sentir muito bem por estar entre amigos. Isso fez com que um convidado -o único a quem faltou fraternidade- mirasse e disparasse: "Tem certeza de que todos aqui são seus amigos?" Esse tiro certeiro é parecido com outro que magoa depois de você contar uma história que achou divertida. É assim: "Desculpe, mas você está tentando ser engraçado?"
Alguns insultos começam com outras desculpas nada sinceras, o sopro antes da mordida. O britânico Simon Cowell, juiz de um concurso de canto da TV, "American Idol", antes de denegrir o talento do participante, manda um "não quero ser rude, mas...". Um preâmbulo menos fatal -"posso ser franco?"- ao menos permite que você diga "prefiro que não!" E o insulto direto que ele anunciava fica mais ameno do que as ferroadas mal camufladas de perguntas retóricas, elogios falsos ou condescendências sutis. Como disse o incisivo Oscar Wilde: "Um amigo de verdade o apunhala pela frente".


MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)

www.michaelkepp.com.br


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