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Outras idéias - Michael Kepp
Insultos sutis
Faltam-me a cabeça
fria e a língua rápida
para chicotear um insulto com uma réplica
certeira. Quando penso numa,
o momento de usá-la já passou.
Os franceses chamam essa resposta tardia de "esprit d'escalier", ou "o espírito que só nos
socorre quando já estamos descendo a escada". Mas, às vezes,
não sinto a ferroada de insultos
mais sutis até já ter descido a
escada e saído porta afora.
Vejam os comentários condescendentes. Quando eu, um
jornalista, pergunto a especialistas algo que questiona suas
opiniões, alguns dizem "a questão é um pouco mais complexa"
ou "se conhecesse melhor o assunto, veria...".
As réplicas insinuam que esses especialistas são intelectualmente superiores a mim,
um generalista, e precisam me
educar. Mas, na primeira vez
que ouvi esse insulto camuflado, levei um tempinho para sacar sua implicação e sentir seu
impacto.
Alguns elogios ofendem ao
revelar, sem querer, um preconceito. Em 2007, o candidato
à presidência dos EUA Joe Biden tentou adular o rival Barack Obama, dizendo: "Ele é o
primeiro candidato negro articulado, inteligente e limpo".
Mas o cumprimento dá a falsa
impressão de que candidatos
negros, em geral, não possuem
essas qualidades.
Alguns elogios ofendem ao
revelar, sem querer, uma impressão pouco favorável de você, e não de seu grupo marginalizado. Um amigo, por exemplo,
me disse: "Uau! Eu li sua última
crônica e, puxa!, foi escrita com
muita inteligência mesmo".
Sua tremenda surpresa com
meu intelecto me fez ver que,
até aquele momento, ele não o
considerava parte dos meus
dons mais óbvios.
Alguns insultos estão envoltos em elogios ditos com a intenção de ofender. Veja o caso
do editor que me disse: "Sua
matéria é maravilhosa! Então,
por que o resto do seu trabalho
é tão medíocre?" Ou o da jovem
carioca que me disse: "Você é
bem atraente... para um cinquentão calvo". Nos dois casos,
o falso elogio foi o míssil que
carregava a bomba.
Alguns insultos assumem a
forma de perguntas retóricas,
ditas não para obter resposta,
mas para atingir um alvo. Em
uma recente ceia de Natal, eu
baixei minha guarda e disse me
sentir muito bem por estar entre amigos. Isso fez com que um
convidado -o único a quem faltou fraternidade- mirasse e
disparasse: "Tem certeza de
que todos aqui são seus amigos?" Esse tiro certeiro é parecido com outro que magoa depois de você contar uma história que achou divertida. É assim: "Desculpe, mas você está
tentando ser engraçado?"
Alguns insultos começam
com outras desculpas nada
sinceras, o sopro antes da mordida. O britânico Simon Cowell, juiz de um concurso de
canto da TV, "American Idol",
antes de denegrir o talento do
participante, manda um "não
quero ser rude, mas...". Um
preâmbulo menos fatal -"posso ser franco?"- ao menos
permite que você diga "prefiro
que não!" E o insulto direto
que ele anunciava fica mais
ameno do que as ferroadas mal
camufladas de perguntas retóricas, elogios falsos ou condescendências sutis. Como disse o
incisivo Oscar Wilde: "Um
amigo de verdade o apunhala
pela frente".
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano
radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões
e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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