São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2008
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Rodolfo Lucena


Mulheres nas ruas

É lindo ver uma mulher correndo. Não se trata só do prazer estético: a presença feminina nas corridas de rua, nos treinos em praças, nas maratonas e nas competições diz que nossa sociedade está ficando um pouquinho melhor, menos repressora, menos discriminatória. Pode não ser boa, pode estar longe do ideal, mas é melhor do que já foi.
Na França, o voto feminino foi permitido na década de 1940. Em 1975, as suecas conquistaram o elementar direito ao aborto. Mas só em 1984 a maratona olímpica foi aberta à presença feminina.
Os Estados Unidos, terra de homens livres, como diz seu hino, foram palco de ridícula perseguição em 1967, quando um diretor da tradicional maratona de Boston tentou impedir, pela força, a participação de Kathrine Switzer, primeira mulher regularmente inscrita a completar aquela prova.
Ainda hoje, as barreiras caem vagarosamente -literalmente também, pois somente nas Olimpíadas de Pequim, em agosto próximo, será inaugurada a prova de 3.000 m com barreiras para mulheres (em Jogos Pan-Americanos, a estréia foi no Rio, no ano passado).
Mesmo onde a corrida é orgulho nacional, como no Quênia, que tem dado ao mundo algumas das mais talentosas e elegantes corredoras da história -a ex-recordista mundial Catherine Ndereba é só um dos exemplos-, a discriminação entrava o progresso.
Não só por parte de eventuais dirigentes machistas, que buscam favores sexuais das atletas, mas também pela própria tradição do país, segundo uma das primeiras maratonistas olímpicas quenianas, Lydia Stephens-Okech, contou à Reuters.
"As famílias deveriam permitir que as meninas fossem educadas. Muitos pais querem apenas que suas filhas se casem. É uma vergonha se uma garota não se casa."
"Vai lavar louça! Vai pilotar fogão!", gritavam para Angélica de Almeida, primeira brasileira a participar de um mundial de maratonas, quando ela treinava nas ruas de São Paulo, no final da década de 80. Nas competições, não raro sofria empurrões e cotoveladas de homens que não admitiam sofrer a competição feminina (leia entrevista no blog).
Hoje, as coisas são diferentes. Nos EUA, cerca de 40% dos maratonistas são mulheres -a presença caiu um pouquinho de 2005 para 2007, mas demonstra o poderio feminino. No Brasil, a Corpore, uma das principais organizadoras de corridas do país, contabilizou 37% de mulheres em seu quadro. E proliferam as corridas exclusivamente femininas. Que elas corram livres.

 
"Correr melhora a autoconfiança e alivia bastante o excesso de foco da sociedade moderna na 'beleza externa'. Na corrida, você pode estar suada, fedorenta, com o nariz escorrendo e a maquiagem derretendo, e há homens e mulheres que a amam mesmo assim e até a abraçam apertado quando você cruza a linha de chegada."

Dawn Ciccone, cantora profissional e maratonista amadora dos EUA, citada no site WomenRunners.com

RODOLFO LUCENA, 50, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record) rodolfolucena.folha@uol.com.br
www.folha.com.br/rodolfolucena



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