São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2006 |
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Outras idéias Por que memorar?
Todo dia, aprendo algo. Vez por
outra, aprendo
algo importante.
Durante o relato, seus olhos brilhavam de forma ímpar, sua respiração se alterava e, ao descrever o afago final com o qual ele premiara Roleta, depois de lhe trazer de volta a carteira, demonstrava um carinho inigualável. Nunca tive coragem de perguntar se ele se lembrava de já ter contado dezenas de vezes aquela passagem para mim. Nem ele, de me dizer que não queria fazê-lo novamente. Ambos realizávamos aquele delicioso ritual para celebrar os nossos reencontros. Com "seu Tumás", aprendi uma das principais razões do memorar. Em verdade nos lembramos das coisas que nos despertaram as maiores emoções. Mais do que isso, podemos escolher aquelas que mais nos interessam, construindo, com elas, o nosso próprio repertório, baseado, principalmente, nos sentimentos relacionados a cada uma das vividas situações. Sob esse aspecto, fica mais fácil entender por que cada pessoa se recorda mais de fatos ou de períodos de sua vida e menos de outros; ou por que alguns se recordam de tantos detalhes, enquanto que outros, que viveram a mesma situação, lembram-se de pouco ou quase nada. Temos o privilégio, muitas vezes inconsciente, de guardar apenas aquilo que queremos eternizar. A escolha é nossa. Quem optar pelas memórias tristes as terá como parceiras durante toda a vida. Quem preservar as mais agradáveis, como "seu Tumás", poderá tornar-se uma pessoa muito interessante, a despeito de não mais viver. Não há, portanto, grandes vantagens em impor a nós mesmos ou aos demais o que deve ou não ser recordado. Muito mais interessante é reconhecer e respeitar que a memória de cada pessoa representa uma crescente e particular coleção de tudo o que lhe tocou a alma, transcendendo o tempo e a existência de cada um. WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu) @ - wiljac@usp.br Próximo Texto: Pergunte aqui Índice |
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