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S.O.S. família
Que cidadania é essa?
Uma notícia, divulgada na última
semana, precisa ser considerada,
por pais e professores em especial, como tema de debates, conversas e reflexões, para trazer
mais luz à educação que praticam e mais crítica às atitudes que tomam, como educadores
que são.
O Ibope Opinião, em uma pesquisa realizada em todo o país, revela que 75% dos brasileiros admitem que, caso ocupassem cargos públicos, seriam capazes de cometer irregularidades. Mais: reconhecem também que cometem, de vez em quando, certas irregularidades
na vida cotidiana, como sonegação de imposto, suborno para se livrar de multa de trânsito,
compra de produtos piratas, falsificação de
documentos etc. Creio que parar em fila dupla
ou estacionar o carro em local proibido, para
deixar ou pegar o filho na escola, também podem ser considerados atos ilícitos que já fazem
parte do dia-a-dia de muitos brasileiros.
E o que significa isso? Que estamos pouco
nos lixando para o bem-estar comum, para o
outro. O que importa, realmente, é o bem-estar individual, o conforto pessoal.
Poucos se
preocupam em reconhecer e respeitar o outro,
quando há um interesse pessoal em jogo. Podemos constatar isso no trânsito, nas ruas, nos
cinemas etc.
E pensar que, quando se trata de educação
familiar e escolar, só para citar temas freqüentes em nossas conversas, adotamos, sem pestanejar, slogans do tipo "educação para a cidadania dos alunos", "socialização dos filhos"
etc. Que cidadania é essa? O que entendemos
por socializar?
Acreditamos, neste momento, que uma vida
boa é a que podemos alcançar para cada um
de nós e para a nossa família, não é verdade?
Se alguém tem pressa para chegar em casa no
domingo, após um final de semana fora, não
hesita em trafegar pelo acostamento para driblar o trânsito lento; se alguém quer muito assistir a um filme, e a fila para o cinema é grande, não vacila em solicitar a um conhecido,
que está no início da fila, que compre suas entradas; se for preciso, poucos vacilam em usar
o prestígio que têm com alguém para solicitar
um privilégio.
Isso demonstra um desprezo imenso; um
desdém em relação aos outros que trafegam
pelas estradas respeitando as regras de trânsito; com os que aguardam na fila para comprar
o seu ingresso; com os outros que conosco
convivem nas relações sociais, enfim. Nessas
horas, não nos damos conta de que esses outros são alguns de nós e de que nós somos outros também.
E se nós, adultos -que temos maturidade
para escolher e arcar com nossas escolhas; que
temos condição de avaliar a situação antes de
agir; que temos chance de despender esforços
para controlar nossas vontades e qualificação
para conter nossos impulsos em benefício da
vida em grupo-, não usamos essas nossas
possibilidades, a não ser em benefício próprio,
como podemos esperar que os mais novos sejam diferentes de nós?
Essa é uma boa hora para debatermos a respeito da ética e da moral, já que todos querem
uma vida boa para os filhos e sabemos que essa realidade que vivemos não é boa para eles
-agora ou num futuro próximo- nem para
nós. Recentemente, li um texto que pode ajudar os educadores a refletir sobre isso: "Nos
Labirintos da Moral", de Mario Sergio Cortella e Yves de La Taille (Papirus Editora).
Temos pago um preço alto pelas nossas ambições personalizadas. O desprezo pelos outros, que muitas de nossas ações e atitudes expressam, como algumas apontadas pela pesquisa citada, acaba se voltando contra nós
mesmos, ou seja, o feitiço se volta contra o feiticeiro. Não é exatamente assim que a vida em
sociedade atualmente se encontra?
Aliás, as relações sociais, que têm estado
agressivas e violentas, têm servido de justificativa para muitos pais restringirem o âmbito de
circulação de seus filhos. Já comentei aqui que
crianças e jovens não andam mais pelas ruas
das cidades. Pois agora, com os dados dessa
pesquisa, fica mais difícil localizarmos essa
violência nos outros, nesses estranhos. Ela está
em nossas atitudes também. Prova incontestável disso são os problemas que condomínios
verticais e horizontais enfrentam com seus
próprios moradores, não é verdade?
Socializar nossos filhos significa introduzi-los na vida em grupo, e a vida em grupo exige a
assimilação de valores morais fundamentais
para a vida em sociedade. Isso significa viver
com o outro de modo solidário, respeitoso e
justo, assim como responsabilizar-se pelo
exercício dos direitos e dos deveres sociais. Só
respeitando o outro é que poderemos exigir o
respeito recíproco. Mas não é assim que temos
feito, tampouco ensinado.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar
Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br
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