São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2006
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S.O.S. família

Que cidadania é essa?

Uma notícia, divulgada na última semana, precisa ser considerada, por pais e professores em especial, como tema de debates, conversas e reflexões, para trazer mais luz à educação que praticam e mais crítica às atitudes que tomam, como educadores que são.
O Ibope Opinião, em uma pesquisa realizada em todo o país, revela que 75% dos brasileiros admitem que, caso ocupassem cargos públicos, seriam capazes de cometer irregularidades. Mais: reconhecem também que cometem, de vez em quando, certas irregularidades na vida cotidiana, como sonegação de imposto, suborno para se livrar de multa de trânsito, compra de produtos piratas, falsificação de documentos etc. Creio que parar em fila dupla ou estacionar o carro em local proibido, para deixar ou pegar o filho na escola, também podem ser considerados atos ilícitos que já fazem parte do dia-a-dia de muitos brasileiros.
E o que significa isso? Que estamos pouco nos lixando para o bem-estar comum, para o outro. O que importa, realmente, é o bem-estar individual, o conforto pessoal.
Poucos se preocupam em reconhecer e respeitar o outro, quando há um interesse pessoal em jogo. Podemos constatar isso no trânsito, nas ruas, nos cinemas etc.
E pensar que, quando se trata de educação familiar e escolar, só para citar temas freqüentes em nossas conversas, adotamos, sem pestanejar, slogans do tipo "educação para a cidadania dos alunos", "socialização dos filhos" etc. Que cidadania é essa? O que entendemos por socializar?
Acreditamos, neste momento, que uma vida boa é a que podemos alcançar para cada um de nós e para a nossa família, não é verdade?
Se alguém tem pressa para chegar em casa no domingo, após um final de semana fora, não hesita em trafegar pelo acostamento para driblar o trânsito lento; se alguém quer muito assistir a um filme, e a fila para o cinema é grande, não vacila em solicitar a um conhecido, que está no início da fila, que compre suas entradas; se for preciso, poucos vacilam em usar o prestígio que têm com alguém para solicitar um privilégio.
Isso demonstra um desprezo imenso; um desdém em relação aos outros que trafegam pelas estradas respeitando as regras de trânsito; com os que aguardam na fila para comprar o seu ingresso; com os outros que conosco convivem nas relações sociais, enfim. Nessas horas, não nos damos conta de que esses outros são alguns de nós e de que nós somos outros também.
E se nós, adultos -que temos maturidade para escolher e arcar com nossas escolhas; que temos condição de avaliar a situação antes de agir; que temos chance de despender esforços para controlar nossas vontades e qualificação para conter nossos impulsos em benefício da vida em grupo-, não usamos essas nossas possibilidades, a não ser em benefício próprio, como podemos esperar que os mais novos sejam diferentes de nós?
Essa é uma boa hora para debatermos a respeito da ética e da moral, já que todos querem uma vida boa para os filhos e sabemos que essa realidade que vivemos não é boa para eles -agora ou num futuro próximo- nem para nós. Recentemente, li um texto que pode ajudar os educadores a refletir sobre isso: "Nos Labirintos da Moral", de Mario Sergio Cortella e Yves de La Taille (Papirus Editora).
Temos pago um preço alto pelas nossas ambições personalizadas. O desprezo pelos outros, que muitas de nossas ações e atitudes expressam, como algumas apontadas pela pesquisa citada, acaba se voltando contra nós mesmos, ou seja, o feitiço se volta contra o feiticeiro. Não é exatamente assim que a vida em sociedade atualmente se encontra?
Aliás, as relações sociais, que têm estado agressivas e violentas, têm servido de justificativa para muitos pais restringirem o âmbito de circulação de seus filhos. Já comentei aqui que crianças e jovens não andam mais pelas ruas das cidades. Pois agora, com os dados dessa pesquisa, fica mais difícil localizarmos essa violência nos outros, nesses estranhos. Ela está em nossas atitudes também. Prova incontestável disso são os problemas que condomínios verticais e horizontais enfrentam com seus próprios moradores, não é verdade?
Socializar nossos filhos significa introduzi-los na vida em grupo, e a vida em grupo exige a assimilação de valores morais fundamentais para a vida em sociedade. Isso significa viver com o outro de modo solidário, respeitoso e justo, assim como responsabilizar-se pelo exercício dos direitos e dos deveres sociais. Só respeitando o outro é que poderemos exigir o respeito recíproco. Mas não é assim que temos feito, tampouco ensinado.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br


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