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ROSELY SAYÃO
Cozinha para desfrutar
Conversei com um garoto de seis anos e ele
me contou que, quando o pai cozinha, ele
vai jantar e dormir na casa da
avó -o que, por sinal, ele disse
adorar. Perguntei se ele não
gosta da comida que o pai prepara e ele respondeu que é sempre uma "comida muito estranha". Na casa da avó ele gosta
de jantar arroz, feijão, picadinho e salada.
A arte culinária -ou gastronomia- está mesmo na moda.
Homens e mulheres têm se dedicado a comprar livros e pesquisar receitas, conhecer ingredientes novos e locais onde se
vendem produtos de qualidade,
comprar utensílios dos mais
variados tipos -que vão do sofisticado ao antigo com novo
desenho etc.
Até as escolas têm usado a
cozinha como laboratório de
ensino para as crianças.
Há quem nunca tenha se interessado pela cozinha e agora
se deleita com essa nova descoberta. Jantar em restaurantes
de chefs aclamados, assistir a
programas de televisão com esse tema, frequentar sites e
blogs que exploram o universo
da gastronomia e promover
jantares em casa para os amigos têm sido bons programas
para essas pessoas.
A cozinha e a sala de jantar
transformaram-se, para muita
gente, em locais de jogo de
adulto, e nem sempre as crianças desfrutam dessa brincadeira de gente grande.
Sim: o jogo é importante na
vida de todos, mas, num mundo
em que as crianças foram invadidas pelo mundo adulto, parece que esse espaço lúdico ficou
reservado aos adultos.
Cozinhar é um ato generoso
e de amor. O primeiro contato
da criança com esse mundo dá-se por meio da alimentação: é
pela amamentação que o bebê
estreita seu vínculo com sua
mãe, aconchega-se a ela, sente
seu cheiro, o calor de seu corpo
e se acalma.
Entretanto, num mundo em
que a oferta de alimentos industrializados é intensa e sedutora, logo as crianças são apresentadas às guloseimas vendidas e muitas famílias passam a
acreditar que é disso que elas
mais gostam.
Uma pesquisa recente, realizada com famílias de todas as
classes sociais, apontou que bebês a partir de quatro meses já
comem bolachas, massas congeladas etc.
Nas escolas, podemos constatar esse costume pelo conteúdo das lancheiras das crianças
pequenas: salgadinhos, biscoitos recheados, bolos e sucos industrializados ganham longe
dos lanches feitos em casa. E
vale dizer que, além de as crianças gostarem, a praticidade de
montar um lanche desse tipo
conta muito para as mães.
O interessante é que é justamente na cozinha e na sala de
jantar, de onde muitas crianças
foram banidas, que elas poderiam conhecer, na prática, as
tradições, as histórias e a cultura de sua família, experimentar
o sentimento de pertencer a
um grupo, ser alimentada com
amor, atualizar os afetos familiares e perceber o quanto o
mundo é vasto e diverso.
Mas, em vez disso, ficam sabendo das mazelas do mundo
adulto enquanto comem as
mesmas coisas de sempre em
frente à televisão.
O estilo de vida urbano parece impedir a reunião familiar,
incluindo as crianças, nos horários de alimentação. Mesmo assim, é possível fazer isso acontecer com regularidade. Para
tanto, insisto, é preciso encarar
o ato de comer como um fato
social acima de tudo.
Os pais, hoje principalmente
as mães, usam e abusam da frase "eu te amo" com os filhos.
Talvez isso seja necessário porque faltem atos que expressem
esse amor, entre eles o de cozinhar amorosamente para eles e
o de desfrutarem juntos do resultado obtido.
INDICAÇÃO
Além de ser um bom filme, "O Tempero da Vida"
mostra como é possível ensinar uma criança
a respeito da vida por meio dos alimentos.
O Tempero da Vida
Diretor: Tassos Boulmetis
Classificação indicativa: livre
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@uol.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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