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neurociência
+ confiantes, rápidas, alertas e espertas
Pesquisas mostram
que mães têm melhor desempenho em
testes cognitivos,
além de um aumento
de capacidades sensoriais e de uma maior tolerância
ao estresse
Nilton Fukuda/Folha Imagem
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A farmacêutica Luciana Knobel, com as duas filhas |
AMARÍLIS LAGE
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Qual a diferença entre
uma mulher antes e
após a maternidade?
Essa pergunta recebeu, até hoje, respostas pouco lisonjeiras ou, no
mínimo, reducionistas. As
mães geralmente são vistas como "seres sentimentais", preocupadas apenas com horários
de mamadas e listas de compras no supermercado, e com
as quais a conversa costuma se
restringir à última travessura
do rebento.
Esse perfil, porém, pode ser
enterrado. Pesquisas recentes
mostram que mães têm melhor
desempenho em testes cognitivos, além de um aumento de capacidades sensoriais e de uma
maior tolerância ao estresse.
Em um levantamento realizado em 2004, nos Estados Unidos, com mulheres que haviam
tido filho dois meses antes,
uma alta porcentagem delas
disse estar menos ansiosa e estressada e capaz de realizar várias tarefas simultâneas com
mais habilidade.
Os dados mais significativos
nessa área são provenientes de
pesquisas feitas com roedores.
Uma equipe liderada pelo neurocientista Craig Kinsley, professor da Universidade de
Richmond (EUA) que se dedica
à questão da maternidade,
constatou, por exemplo, que as
fêmeas que tinham filhos eram
muito mais rápidas para encontrar e capturar presas num
cercado.
As explicações para essas habilidades costumam ser relacionadas a questões evolutivas.
Para conseguirem cuidar de
seus filhotes e perpetuar a espécie, as fêmeas seriam premiadas com recursos extras.
Nesse processo, hormônios reprodutivos como estrógeno,
progesterona, prolactina e oxitocina podem ser importantes.
Pesquisas mostram que o estrógeno, cujos níveis disparam
durante a gestação, está associado à neurogênese (criação
de novas células cerebrais).
"Em aves, é bem clara a relação
entre o estrógeno e a sobrevida
dessas novas células. Em ratos,
suspeita-se que ele ajude a regular essa multiplicação", afirma Cláudio Mello, professor do
Instituto de Ciências Neurológicas da Oregon Health and
Science University e conselheiro do Instituto Internacional
de Neurociência de Natal.
O hipocampo é um dos setores do cérebro que mais se beneficiam dessa multiplicação
celular. A área está ligada à memória e à aprendizagem.
Mas os estímulos vão além
dos aspectos biológicos e evolutivos. Os desafios que a criação
de um filho impõe também são
fundamentais para o desenvolvimento de certas habilidades,
como autodomínio e capacidade de realizar várias tarefas ao
mesmo tempo. "A experiência
é um fator fundamental para a
estrutura do cérebro. No caso
da maternidade, trata-se de
uma experiência multisensorial, que modifica as sinapses",
afirma Cláudio Mello.
Em grande escala
"Por uma combinação de
amor, genes, hormônios e prática, o cérebro feminino sofre
mudanças concretas no processo de dar à luz e criar os filhos. É uma transformação em
tão grande escala quanto a puberdade e a menopausa", diz a
jornalista Katherine Ellison no
livro "Inteligência de Mãe".
Recém-lançada no Brasil, a
publicação se baseia em pesquisas e depoimentos de cientistas e de mães para defender
uma tese ousada: a de que a maternidade é capaz de deixar as
mulheres mais inteligentes.
Segundo a autora, os benefícios que advêm da maternidade
podem ser divididos em cinco
áreas: percepção, eficiência,
motivação, inteligência emocional e resiliência, que consiste na capacidade de superar uma situação ruim e vem sendo
associada à oxitocina.
Importante para provocar
contrações uterinas na hora do
parto e para estimular a lactação, a oxitocina é associada a
uma diminuição na produção
dos "hormônios do estresse",
os glucocorticóides. "O ato de
amamentar libera a oxitocina e
pode diminuir o risco de depressão pós-parto, por alterar a
vulnerabilidade da mulher aos
fatores estressores", diz o psiquiatra Joel Rennó Jr., coordenador-geral do Pró-Mulher, do
Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas da USP
(Universidade de São Paulo).
Para o psiquiatra Geraldo
Possendoro, pesquisador do
departamento de psicobiologia
da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), faz sentido
que as mulheres tenham uma
proteção contra o estresse nessa fase da vida. "Se o nível de
cortisol [um dos hormônios do
estresse] se mantiver alto por
muito tempo, pode levar a um
prejuízo de funções relacionadas à memória e à abstração,
entre outras. Parece que a grávida tem um mecanismo natural de proteção, já que vai ter de
cuidar da sua prole", diz.
Permanência
Esses benefícios podem durar? Para o neurocientista
Craig Kinsley, a resposta é sim.
"Examinamos fêmeas de roedores com 24 meses de idade, o
que equivale a uma fêmea humana com mais de 70 anos, e
descobrimos que aquelas com
experiência reprodutiva têm
menos depósitos, em seus hipocampos, de uma proteína associada à doença de Alzheimer.
Essas mesmas fêmeas se saíram muito melhor em testes de
aprendizado e memória ao longo de suas vidas", disse Kinsley.
Mas a psicóloga evolucionista Maria Emilia Yamamoto,
professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
vê com ressalvas a transposição, para humanos, de dados
obtidos com ratos. "Nossos ancestrais e os ratos viviam em
ambientes diferentes. A rata
precisava sair para caçar e voltar para os filhotes. As mulheres não tinham essa necessidade, pois contavam com o suporte de uma rede social."
Para o psiquiatra Rennó Jr., a
mulher pode ganhar habilidades com a maternidade "desde
que esteja disposta, afetivamente, socialmente e culturalmente, a aceitar tais características, que podem ser consolidadas ou não com os filhos".
Lentidão na gravidez
Por que, então, tantas mulheres se queixam de se sentirem
mais lentas e com mais sono
nesse período? A questão é polêmica e gerou estudos com resultados contraditórios.
Um trabalho da Royal Postgraduate Medical School, na
Inglaterra, descobriu uma redução importante no tamanho
do cérebro durante a gravidez
-em uma voluntária, essa redução chegou a 7% e voltou ao
normal seis meses após o parto.
Já em uma pesquisa realizada por Kinsley, o dissecação de
cérebros de ratas no fim da prenhez mostrou que a neurogênese havia sido reduzida, mas
que as células nervosas no hipocampo desenvolveram muitas espinhas dendríticas, estruturas que levam à criação de
novas sinapses. Após o parto, o
cérebro ficou maior que antes.
Segundo o pesquisador, as
transformações por que passa o
cérebro na gestação são a explicação para a lentidão. "Novas
conexões e novos neurônios estão sendo adicionados. Como
um espaço em construção, há
interrupções, mas o produto final é mais eficiente", diz.
Rennó Jr. também aponta a
interferência dos hormônios,
que "inundam" o cérebro da
mulher, provocando alterações
físicas e comportamentais, e
das preocupações com a gravidez. "A capacidade cognitiva
pode diminuir devido à dificuldade de concentração, pelo excesso de preocupações."
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