São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2006
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S.O.S. Família

Rosely Sayão

Separação de pais e filhos

Alguns jovens têm me interpelado com uma angústia: como viver a própria vida sem que isso magoe seus pais? E não se trata de adolescentes que descobrem que podem e devem começar a fazer suas próprias escolhas, responsabilizar-se por elas e se comprometer com o presente e o futuro, mas que ainda estão sob a tutela dos pais. Refiro-me aos que estão prestes a entrar na vida adulta, acima dos 20 anos. É interessante pensar sobre isso, já que é inevitável que eles assumam o comando da própria vida.
Nosso mundo tem uma característica peculiar no que diz respeito aos relacionamentos amorosos: eles se tornaram particularmente frágeis, porque, quando resultam mais em desgaste, sofrimento e compromisso do que em satisfação e paixão -mesmo que num determinado intervalo de tempo-, podem ser descartados. A idéia de investir energia, dedicação e fidelidade sem um retorno satisfatório não vinga mais porque estamos mais para a avaliação constante da relação custo-benefício dos relacionamentos. As pessoas estão sempre disponíveis para recomeçar, esse é o fato.
Uma das conseqüências desse estilo de viver contemporâneo tem sido a solidão. Como quase todos os relacionamentos são, em tese, descartáveis, eles já nascem marcados para morrer. O famoso "até que a morte os separe" transformou-se decisivamente. Hoje as pessoas ficam juntas até que a vida as separe, não é verdade?
Ocorre que permanece um anseio de proximidade, de intimidade, de pertencimento afetivo e emocional que perdure às agruras da vida e não dependa apenas das alegrias compartilhadas. É nesse contexto que surge a idéia de o filho ser um objeto que atenda a tal necessidade, já que contém a idéia de relacionamento duradouro. A relação entre pais e filhos é, atualmente, a única que permanece "até que a morte os separe". Todos os outros relacionamentos podem ser rompidos a qualquer momento. Vivemos na era dos "ex": ex-marido, ex-mulher, ex-sogro, ex-cunhado.
Mas tal prefixo não pode ser adicionado às palavras mãe, pai e filho. É a hegemonia das relações de parentesco de sangue sobre as de aliança. Como as outras relações de parentesco por sangue (tios, primos, avós e até mesmo irmãos) perderam importância e não são cultivadas com tanta proximidade, o relacionamento familiar ficou restrito às relações entre pais e filhos. O lugar de filho fica, portanto, sobrecarregado porque destinado a suprir os anseios afetivos e emocionais dos pais. Ter filhos tem um alto custo.
Exercer o papel de mãe e de pai é uma tarefa árdua e angustiante. É preciso abdicar das certezas, das seguranças e da idéia do bem-estar pessoal para freqüentar com muita regularidade a instabilidade e a incerteza, investir no bem-estar de um ser dependente e mais frágil, aceitar restrições na vida e, inclusive, limitar as ambições pessoais. Tanto custo leva, quase naturalmente, a cobranças.
Essa é uma circunstância importante que tem provocado dificuldades para os jovens, que não sabem como conciliar a própria vida com as aspirações dos pais. Na verdade, o que eles querem é terminar a relação de dependência com a consciência limpa, sem grandes rupturas e sem provocar dor e sofrimento.
Temos de admitir que isso é extremamente difícil. Qualquer separação é sofrida, e, como os adultos têm experimentado sucessivas separações afetivas, a dos filhos tem sido evitada. Esse é um dos motivos que levam jovens a hesitar a entrar no mundo adulto. Nesse momento, a responsabilidade não é tanto dos pais; é mais dos filhos. Afinal, eles precisam arcar com os ônus de suas escolhas e rumos e já têm condições para tanto.

[...] A relação entre pais e filhos é, atualmente, a única que permanece "até que a morte os separe"


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br



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