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OUTRAS IDEIAS
Michael Kepp
Quem vive do passado é museu
[...] POR NÃO OLHAREM
PARA TRÁS, OS
BRASILEIROS NÃO
ENTENDEM A FASCINAÇÃO
AMERICANA PELA
REUNIÃO DE TURMA
Duvido que muitos
brasileiros se identifiquem com o colunista americano
Herb Caen, que confessou:
"Costumo viver no passado
porque minha vida está quase
toda lá". Neste país do futuro,
consumidores valorizam o que
é novo ou está na moda, e "progresso" é o lembrete inscrito na
bandeira. Aqui, dizem: "Quem
vive do passado é museu".
Os brasileiros vão a museus
ver arte contemporânea, e não
artefatos culturais. Ao contrário dos europeus, têm pouca ligação com a própria história.
Aqui, cidades coloniais têm sofrido décadas de descaso.
Em comparação, os italianos
glorificam seu passado preservando grande parte da Roma
antiga e usando vilarejos toscanos como repositórios de arte e
arquitetura medieval e renascentista. Os alemães confrontam a vergonha de seu terrível
passado do século 20 construindo museus do Holocausto
e memoriais em campos de
concentração e fazendo filmes
sobre atrocidades nazistas
Os brasileiros, no entanto, vivem no presente hi-tech.
O Brasil se gaba de ter o quinto
maior número de usuários da
internet no mundo e 50% de todos no Orkut. O Rio é a capital
mundial da cirurgia plástica,
que remove traços do passado
do rosto. Brasília, que JK disse
ser projetada como "uma ruptura total com o passado", ainda parece futurista 49 anos depois. E carrões superequipados
são tão comuns que é difícil
acreditar que João Goulart fugiu do país de Fusca.
Por não olharem para trás, os
brasileiros não entendem a fascinação americana pelo ritual
da reunião de turma. A cada década, centenas de colegas da
mesma escola voltam à cidade
natal para compartilhar lembranças da adolescência, uma
parte crucial de seu passado.
Não perdi uma em 40 anos.
O aviso do filósofo americano
George Santayana -"aqueles
que não se lembram do passado
estão condenados a repeti-lo"-
é ignorado aqui. Que outro povo tem memória tão curta que
elege para o Senado um presidente que se retirou para evitar
impeachment e mantém coronéis no poder depois de abusarem do mesmo? Corrupção e
impunidade são tradições tão
antigas e enraizadas que expõem uma das maiores contradições do Brasil, que é também
o país do passado.
Esta também é uma cultura
centrada nos jovens. Ao contrário das culturas chinesa e indígena, não venera os mais velhos
pela sabedoria. Aqui, os idosos
se sentem inúteis. Então, raramente aparecem em público,
como em Pequim, onde praticam artes marciais nos parques, ou em Amsterdã, onde
passeiam de bicicleta. Aqui, assistem à parada passar de suas
janelas.
O idoso vive mais no passado
do que os outros porque muito
mais de sua vida está lá. Ainda
assim, o passado se acumula
atrás da gente a cada respiração. Mas só tem valor se você
aprende com ele.
Ou, como disse Kierkegaard:
"A vida só pode ser vivida
olhando-se para a frente, mas
só pode ser compreendida
olhando-se para trás".
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 26 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e
Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
mkepp@terra.com.br
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