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[+] CORRIDA
Rodolfo Lucena
Sangue de corredor
Às sete da manhã da
quarta-feira passada, dia de chuva
forte e frio cortante, um ônibus branco estacionou em frente à entrada
do parque Santo Dias, no Capão Redondo, uma das regiões mais pobres e violentas
da periferia de São Paulo.
Aos poucos, foram chegando os passageiros, aguardando a hora de partir. Até que,
sob o comando de "Vamos lá,
gente!", a turma se acomodou no ônibus, iniciando
uma viagem de quase uma
hora até o Hospital das Clínicas de São Paulo.
Havia um professor, um
vendedor de loteria, donas
de casa, seguranças empregados e à procura de emprego. Era a Equipe de Corredores do Parque Santo Dias,
que vinha ao centro cumprir
uma missão (leia mais no
blog). Lotaram a sala de coleta da Fundação Pró-Sangue.
"Eu estava meio receosa de
doar sangue, mas fui com o
grupo e gostei da sensação. É
bom fazer alguma coisa pelos
outros", disse Claudete Aparecida, 28, funcionária da
área administrativa do Corpo de Bombeiros.
Separada, mãe de dois filhos, conheceu o grupo durante suas caminhadas pelo
parque. Aos poucos ela se entrosou e hoje participa de
provas de dez quilômetros e
até mais longas: "Corrida,
para mim, é tudo. Eu arrumei um novo sentido para a
vida. Ganhei uma família,
não só um grupo de corrida".
Talvez seja esse o trabalho
mais importante da equipe,
que começou há nove anos
pelos pés de Marineide Santos Silva, 48, baiana de Porto
Seguro que chegou a São
Paulo com cinco anos, com a
mãe e cinco irmãos -o pai foi
caçar ouro em Serra Pelada e
nunca mais apareceu.
Maratonista, Neide treinava no parque. Vez por outra,
alguém vinha lhe pedir
orientação, dicas sobre corrida. Ela foi passando sua experiência e logo tinha um
grupinho, gente que saía da
doença e da estagnação para
se transformar em agentes
de mudança.
Passaram a conseguir inscrições gratuitas em corridas. Uma marca de tênis forneceu equipamentos para
todos, a prefeitura ajuda com
o transporte, eles fazem coletas de alimentos para os mais
necessitados do grupo.
"Eu só me mexia para
atender a campainha", diz a
aposentada Mariá Sande
Ferreira, 61, que hoje já tem
quatro São Silvestres no currículo, apaixonou-se pela
corrida ("fico doente o dia
em que não corro") e doa
sangue regularmente: "Eu
não sabia que gente da minha idade podia doar, mas
pode. Já vim outras vezes. Se
meu sangue servir para alguém, vou ficar muito feliz".
RODOLFO LUCENA, 52, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de
"Maratonando, Desafios e Descobertas nos
Cinco Continentes" (ed. Record)
rodolfolucena.folha@uol.com.br
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