São Paulo, quinta-feira, 06 de agosto de 2009
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

[+] CORRIDA

Rodolfo Lucena

Sangue de corredor

Às sete da manhã da quarta-feira passada, dia de chuva forte e frio cortante, um ônibus branco estacionou em frente à entrada do parque Santo Dias, no Capão Redondo, uma das regiões mais pobres e violentas da periferia de São Paulo.
Aos poucos, foram chegando os passageiros, aguardando a hora de partir. Até que, sob o comando de "Vamos lá, gente!", a turma se acomodou no ônibus, iniciando uma viagem de quase uma hora até o Hospital das Clínicas de São Paulo.
Havia um professor, um vendedor de loteria, donas de casa, seguranças empregados e à procura de emprego. Era a Equipe de Corredores do Parque Santo Dias, que vinha ao centro cumprir uma missão (leia mais no blog). Lotaram a sala de coleta da Fundação Pró-Sangue.
"Eu estava meio receosa de doar sangue, mas fui com o grupo e gostei da sensação. É bom fazer alguma coisa pelos outros", disse Claudete Aparecida, 28, funcionária da área administrativa do Corpo de Bombeiros. Separada, mãe de dois filhos, conheceu o grupo durante suas caminhadas pelo parque. Aos poucos ela se entrosou e hoje participa de provas de dez quilômetros e até mais longas: "Corrida, para mim, é tudo. Eu arrumei um novo sentido para a vida. Ganhei uma família, não só um grupo de corrida".
Talvez seja esse o trabalho mais importante da equipe, que começou há nove anos pelos pés de Marineide Santos Silva, 48, baiana de Porto Seguro que chegou a São Paulo com cinco anos, com a mãe e cinco irmãos -o pai foi caçar ouro em Serra Pelada e nunca mais apareceu.
Maratonista, Neide treinava no parque. Vez por outra, alguém vinha lhe pedir orientação, dicas sobre corrida. Ela foi passando sua experiência e logo tinha um grupinho, gente que saía da doença e da estagnação para se transformar em agentes de mudança. Passaram a conseguir inscrições gratuitas em corridas. Uma marca de tênis forneceu equipamentos para todos, a prefeitura ajuda com o transporte, eles fazem coletas de alimentos para os mais necessitados do grupo.
"Eu só me mexia para atender a campainha", diz a aposentada Mariá Sande Ferreira, 61, que hoje já tem quatro São Silvestres no currículo, apaixonou-se pela corrida ("fico doente o dia em que não corro") e doa sangue regularmente: "Eu não sabia que gente da minha idade podia doar, mas pode. Já vim outras vezes. Se meu sangue servir para alguém, vou ficar muito feliz".

RODOLFO LUCENA, 52, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record)

rodolfolucena.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Alongamento
Próximo Texto: História: Do infarto ao recorde mundial
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.