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s.o.s. família - rosely sayão
Crianças não têm que beijar na boca
O relacionamento entre pais e escola pode passar por períodos bem conturbados.
Um deles é aquele em que o assunto em pauta é a educação sexual de crianças com menos de seis anos, já que tanto a família quanto a escola não sabem ao certo como proceder. Tenho duas cartas que ilustram bem essa questão.
Uma delas é de uma professora que pede sugestões para orientar pais de alunos da educação infantil a respeito de sexualidade, já que as
crianças estão submetidas com muita frequência à televisão, rica em estímulos eróticos.
A outra carta é da mãe de uma garota de cinco
anos que relata um fato ocorrido na escola. Ela
conta que, ao buscar a filha, foi interpelada pela coordenadora, na saída, a qual contou que a
filha e uma colega de mesma idade haviam
trocado beijos na boca e que, quando interveio, a professora reagiu muito mal e não quis
saber de pedir desculpas por isso. A mãe reclama do constrangimento provocado pela coordenadora e pergunta se esse fato pode repercutir mal no desenvolvimento sexual da filha.
Bem, ao cotejar as duas posições -que são
bem representativas das usuais, por sinal-, é
interessante observar que a escola e a família
assumem a mesma postura: a de responsabilizar o outro lado pelos possíveis problemas,
presentes ou futuros, que decorreriam de uma
condução que julgam inadequada das questões relativas à sexualidade da criança. Resumindo: professores acham que as crianças
vêem televisão demais por descuido dos pais e
que, por isso, manifestam comportamento
erotizado, e pais acreditam que professores
não têm formação para tratar do assunto com
seus alunos. Solução encontrada por eles? Professores querem orientar pais, e pais querem
que professores procurem orientação para saber agir na escola.
Como esse caminho não leva a lugar nenhum, talvez o mais sensato fosse que a escola
e a família pudessem construir, de fato, uma
relação de parceria para colaborar com a educação das crianças. Para tanto, seria interessante refletir sobre algumas questões.
De nada adianta a escola lamentar os programas de TV a que as crianças assistem e as
influências que provocam, as revistas que estão ao alcance delas etc. Para dar conta de sua
responsabilidade, ela precisa exercer a sua
competência, começando por considerar que
seus alunos são como são e que isso exige uma
intervenção educativa. O primeiro passo é a
equipe escolar discutir o assunto coletivamente. Só assim os educadores poderão partilhar
uma postura comum, poderão ajudar uns aos
outros em situação mais delicada ou complexa e mesmo controlar as atitudes do grupo.
Esse controle do grupo pelo grupo é de enorme importância principalmente porque cada
um tem uma moral sexual, seus valores, seus
princípios, inclusive religiosos. Mas nada disso deve ser manifestado. As crianças precisam
é de educadores tranquilos, que possam conter com naturalidade comportamentos que
são típicos da intimidade, que consigam responder às perguntas que surgem sem constrangimentos e, principalmente, que saibam
transformar em linguagem acessível para a
criança o que elas apontam na ação. Crianças
que trocam beijos na boca precisam apenas
ser contidas e, ao mesmo tempo, ouvirem as
explicações necessárias. Beijo na boca é coisa
de namorados. Crianças não namoram.
Os pais, por sua vez, precisam pensar um
pouco melhor nos comportamentos que têm
com os filhos. Muitas mães e muitos pais têm
o costume, por exemplo, de despedir-se dos filhos com o chamado beijo "selinho". Esse não
é um beijo social, é? Se fosse, não seria dada
tanta atenção quando artistas que não são namorados dão esse tipo de beijo em público. Isso nos permite concluir que, para nossa sociedade, esse ainda é um tipo de beijo que tem caráter erótico. Além disso, fica mais difícil de a
criança entender por que é que esse beijo não
deve ser dado também na professora e nos colegas, por exemplo.
Mas, acima de tudo, sempre é bom relembrar: qualquer manifestação da sexualidade
em crianças é normal e não merece reprimenda nem preocupação. Apenas exige uma intervenção educativa.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br
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