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São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2003
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s.o.s. família - rosely sayão

Crianças não têm que beijar na boca

O relacionamento entre pais e escola pode passar por períodos bem conturbados. Um deles é aquele em que o assunto em pauta é a educação sexual de crianças com menos de seis anos, já que tanto a família quanto a escola não sabem ao certo como proceder. Tenho duas cartas que ilustram bem essa questão.
Uma delas é de uma professora que pede sugestões para orientar pais de alunos da educação infantil a respeito de sexualidade, já que as crianças estão submetidas com muita frequência à televisão, rica em estímulos eróticos. A outra carta é da mãe de uma garota de cinco anos que relata um fato ocorrido na escola. Ela conta que, ao buscar a filha, foi interpelada pela coordenadora, na saída, a qual contou que a filha e uma colega de mesma idade haviam trocado beijos na boca e que, quando interveio, a professora reagiu muito mal e não quis saber de pedir desculpas por isso. A mãe reclama do constrangimento provocado pela coordenadora e pergunta se esse fato pode repercutir mal no desenvolvimento sexual da filha.
Bem, ao cotejar as duas posições -que são bem representativas das usuais, por sinal-, é interessante observar que a escola e a família assumem a mesma postura: a de responsabilizar o outro lado pelos possíveis problemas, presentes ou futuros, que decorreriam de uma condução que julgam inadequada das questões relativas à sexualidade da criança. Resumindo: professores acham que as crianças vêem televisão demais por descuido dos pais e que, por isso, manifestam comportamento erotizado, e pais acreditam que professores não têm formação para tratar do assunto com seus alunos. Solução encontrada por eles? Professores querem orientar pais, e pais querem que professores procurem orientação para saber agir na escola.
Como esse caminho não leva a lugar nenhum, talvez o mais sensato fosse que a escola e a família pudessem construir, de fato, uma relação de parceria para colaborar com a educação das crianças. Para tanto, seria interessante refletir sobre algumas questões.
De nada adianta a escola lamentar os programas de TV a que as crianças assistem e as influências que provocam, as revistas que estão ao alcance delas etc. Para dar conta de sua responsabilidade, ela precisa exercer a sua competência, começando por considerar que seus alunos são como são e que isso exige uma intervenção educativa. O primeiro passo é a equipe escolar discutir o assunto coletivamente. Só assim os educadores poderão partilhar uma postura comum, poderão ajudar uns aos outros em situação mais delicada ou complexa e mesmo controlar as atitudes do grupo.
Esse controle do grupo pelo grupo é de enorme importância principalmente porque cada um tem uma moral sexual, seus valores, seus princípios, inclusive religiosos. Mas nada disso deve ser manifestado. As crianças precisam é de educadores tranquilos, que possam conter com naturalidade comportamentos que são típicos da intimidade, que consigam responder às perguntas que surgem sem constrangimentos e, principalmente, que saibam transformar em linguagem acessível para a criança o que elas apontam na ação. Crianças que trocam beijos na boca precisam apenas ser contidas e, ao mesmo tempo, ouvirem as explicações necessárias. Beijo na boca é coisa de namorados. Crianças não namoram.
Os pais, por sua vez, precisam pensar um pouco melhor nos comportamentos que têm com os filhos. Muitas mães e muitos pais têm o costume, por exemplo, de despedir-se dos filhos com o chamado beijo "selinho". Esse não é um beijo social, é? Se fosse, não seria dada tanta atenção quando artistas que não são namorados dão esse tipo de beijo em público. Isso nos permite concluir que, para nossa sociedade, esse ainda é um tipo de beijo que tem caráter erótico. Além disso, fica mais difícil de a criança entender por que é que esse beijo não deve ser dado também na professora e nos colegas, por exemplo.
Mas, acima de tudo, sempre é bom relembrar: qualquer manifestação da sexualidade em crianças é normal e não merece reprimenda nem preocupação. Apenas exige uma intervenção educativa.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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