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São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2003
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Atividade física em excesso pode piorar humor

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Atividade física melhora o humor, mas também pode fazer estragos no estado de espírito do atleta. Um estudo realizado durante três anos pelo psiquiatra Marco Aurélio Monteiro Peluso, 36, para a sua tese de doutorado mostra que treinamento em excesso leva a alterações de humor com características depressivas.
Ex-atleta, o interesse em pesquisar cientificamente o assunto surgiu da experiência que o próprio médico viveu como vítima do excesso de treinamento.
"Desânimo, cansaço e a vontade de largar tudo foram apenas alguns dos sintomas que vivenciei quando não atingi as marcas de tempo que já atingira antes", diz Peluso. Leia a entrevista abaixo.


"Eu realmente fiquei mal. Uma queda no rendimento do atleta pode ter milhões de razões, mas eu não tinha nenhum problema externo. Apesar disso, o desânimo veio forte"


Folha - Como foi a sua história com excesso de treino físico?
Marco Aurélio Monteiro Peluso -
Até o primeiro ano da faculdade, eu era atleta, nadador. Treinava diariamente durante horas, participando até de campeonatos nacionais. Naquele ano, em 1986, percebi que o meu rendimento havia caído durante a fase de treinamento. Eu me sentia cansado, desanimado e não consegui atingir a marca que já atingira antes. Estudos científicos começavam a estudar o assunto, mas, no meio esportivo, isso ainda era pouco conhecido.

Folha - Isso afetou a sua qualidade de vida?
Peluso -
Eu realmente fiquei mal. Uma queda no rendimento do atleta pode ter milhões de razões, mas eu não tinha nenhum problema externo. Apesar disso, o desânimo veio forte. Muito tempo depois, por volta de 1995, quando acabei a residência em psiquiatria, decidi desenvolver pesquisas sobre a relação entre atividade física intensa e piora de humor.

Folha - Como foi o seu estudo?
Peluso -
Apliquei determinadas escalas de avaliação de humor, que são instrumentos de avaliação usados na psiquiatria e na psicologia. Os participantes, 278 pessoas entre homens e mulheres, integravam dois grupos: atletas com idade entre 14 e 28 anos e vestibulandos entre 16 e 18. Isso foi feito durante as três fases de preparação para a competição mais importante da temporada, no caso dos esportistas, e também em três momentos ao longo da preparação para o vestibular.

Folha - Quais são essas fases?
Peluso -
No caso dos atletas, a primeira fase é de treinamento de intensidade normal. Na fase do meio, o esforço é bem mais acentuado, pois treina-se em mais quantidade e intensidade, e na final, próxima à competição, o treinamento é mais leve, de mais descanso. Quanto aos estudantes, eles foram avaliados a primeira vez em março, o mais longe possível do vestibular, depois, no final de agosto, bem no meio do caminho, e, por fim, duas semanas antes do vestibular.

Folha - E por que comparar o vestibulando com o esportista se o foco era a relação entre atividade física e humor?
Peluso -
Porque o estresse intelectual também causa mudança de humor, e quis compará-lo com a influência do estresse físico na alteração do humor.

Folha - E qual o resultado?
Peluso - Ao contrário do que se possa imaginar, os atletas não tiveram seu humor prejudicado próximo das competições, mas quando a capacidade física é mais exigida e o treino, mais puxado. Piorou da primeira para a segunda fase e melhorou da segunda para a terceira. Ou seja, existe uma ligação entre piora de humor e quantidade e intensidade de treinamento, diferentemente dos vestibulandos, cuja proximidade das provas foi o fator mais importante para a alteração de humor, que piorou progressivamente da primeira até a terceira fase.

Folha - E qual a importância disso?
Peluso -
Identificar as características da piora do humor é importante. O tipo de alteração de humor entre os atletas tem mais relação com depressão. Entre os vestibulandos, tem mais ligação com a ansiedade. Uma coisa é ansiedade, outra é depressão. Insônia, inquietação e falta de concentração são sintomas comuns de ansiedade, mas também de depressão. O que é mais específico da depressão é a falta de prazer em fazer as coisas, a falta de ânimo e de iniciativa. Já sinais como mão formigando, vontade de ir ao banheiro ou coração disparado são mais específicos da ansiedade.

Folha - A mudança de humor no atleta é um sintoma de depressão?
Peluso -
Não, nem significa que ele vai ter depressão, mas que o humor alterado tem características do estado depressivo.

Folha - Qual seu próximo estudo?
Peluso -
Preparo um projeto para estudar imagens cerebrais de pessoas com "overtraining" e compará-las com as imagens de pessoas com depressão.


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