São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2008
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SAÚDE

Num mundo de AR rarefeito

Brasil lidera o ranking de incidência de asma entre os países na América Latina, com o maior número de doentes até os 15 anos de idade; de 19% a 26% têm tosse crônica, chiado e cansaço

Rafael Hupsel/Folha Imagem
Camilly Belo Souza, de 1 ano e 9 meses, que teve duas crises graves

PATRÍCIA CERQUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A asma é a doença crônica mais freqüente na infância e na adolescência. Dados do Isaac (sigla em inglês para Estudo Internacional de Asma e Alergias na Infância), de 1998, mostram que o Brasil lidera o ranking entre os países na América Latina, com o maior número de doentes até os 15 anos de idade. De cada cem crianças, de 19 a 26 apresentam tosse crônica, chiado, cansaço e dificuldade para respirar.
Parte desses pequenos chiadores desembarca nas salas de inalação dos prontos-socorros infantis para aplacar as crises -casos mais graves necessitam de internação. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde, 17,7% (ou 272.712 casos) de todas as internações por problemas de vias aéreas em 2006 ocorreram por causa de asma. Dessas, 50% eram de crianças com menos de dez anos. Na maioria das vezes, ao deixar o hospital, não há diagnóstico fechado, principalmente para os bebês. "Até os dois anos de idade é muito difícil diagnosticar a asma", afirma Dirceu Solé, professor do Departamento de Pediatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Essa dificuldade motivou o Estudo Internacional de Sibilância em Lactentes, realizado com 10 mil mães em 2006 e 2007, em países da América Latina, incluindo o Brasil, além de Holanda e Espanha.
A proposta é determinar, pela primeira vez, os dados de prevalência da doença em bebês entre 12 e 15 meses de idade. O estudo pretende também identificar os possíveis fatores de risco, que ainda não estão bem delimitados.
Entre os dados obtidos com exclusividade pela Folha, destaca-se a informação de que 50% das mães responderam que os bebês tiveram ao menos um episódio de chiado no último ano. Um quarto delas relataram três ou mais episódios de chiados ao longo de um ano, mas somente 8% afirmaram que o médico informou claramente que a criança tem asma.
Os filhos da técnica de enfermagem Rosimeire Ferreira Souza, 31, refletem esses números. Ana Carolina Souza Coelho, 10, além de rinite e sinusite, tem diagnóstico de asma. O irmão menor, Leonardo, de um ano e nove meses, precisa usar o espaçador (cilindro usado com a bombinha) para se sentir melhor. Suas crises diminuíram, mas ainda não acabaram. "Quando o tempo vira e a temperatura muda, os dois começam a chiar. Morro de medo de deixá-los com outras pessoas que podem não saber como agir se eles tiverem uma crise", diz Rosimeire.

Chiadeira X asma
Se tiver mais de três crises no ano, no entanto, o bebê é um forte candidato a asmático, o que não exclui a possibilidade de as crises serem resultado de uma doença viral, como a gripe, que traz cansaço, tosse e chiado. Quando o bebê tem infecções virais (os menores de um ano costumam ter até oito episódios de gripe nos primeiros 12 meses de vida), o muco se acumula no brônquio, que está inflamado e inchado. Esse quadro aumenta a dificuldade de respiração do bebê e confunde o diagnóstico. "Costumo dizer que os sintomas da asma são como os da febre: podem ser referentes a uma série de doenças", diz Solé.
Por causa de todas as peculiaridades, os médicos não falam em bebê com asma, e sim em lactente sibilante: o bebê que chia. "Alguns manterão os sintomas por muitos anos, além da adolescência, e serão rotulados de asmáticos", diz Marcus Hebert Jones, doutor em pneumologia e professor no Departamento de Pediatria da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre. "Entretanto, a maioria que chia nos dois ou três primeiros anos fica livre desses sintomas antes dos sete anos de idade." Segundo ele, o diagnóstico de asma só consegue ser confirmado com a evolução dos sintomas, a intensidade e a freqüência das crises.
Se a doença nos bebês é de difícil diagnóstico, em crianças maiores de três anos ocorre o subdiagnóstico. Os sintomas clássicos de asma (falta de ar em repouso e chiado no peito) passam despercebidos ou são interpretados de maneira errada, como se resultassem de uma infecção respiratória ou da falta de preparo físico. "O erro leva ao uso equivocado de medicações para tosse, como xaropes e antibióticos", afirma.


[!] HISTóRICO FAMILIAR
A herança GENÉTICA é um dos principais fatores DETERMINANTES para um bebê ser asmático ou não. Se um dos pais, especialmente a MÃE, tem alergia ou asma, o RISCO de a criança ser asmática DOBRA. Se ambos são alérgicos ou asmáticos, as chances de o bebê ter a doença sobem para 70%


Um diagnóstico correto é essencial, pois pode interferir no tratamento ou até mudá-lo completamente. "Se a criança teve mais de três episódios de chiado no ano, chia sem gripar, é filha ou irmã de um alérgico, tem dermatite atópica ou rinite alérgica diagnosticada por médico, é candidata a ser asmática", afirma Antonio Carlos Pastorino, médico-assistente da unidade de alergia e imunologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Tratamento diferenciado
Cada criança tem a indicação de um tratamento específico para o seu quadro. Em geral, é usado corticóide inalatório no espaçador para aliviar as crises. Se a resposta ao medicamento for boa, ela pode passar a usar antiinflamatórios.
"Esse é o que chamamos de tratamento de prova", afirma Paulo Augusto Camargos, professor titular de pediatria e coordenador da unidade de pneumologia pediátrica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. A suspensão do medicamento depende da evolução do paciente. Se não apresentar crise nem chiado nesse período, a criança pode deixar de tomar os remédios.
Camilly Belo Souza, de 1 ano e 9 meses, está exatamente nessa fase do tratamento. Nos primeiros sete meses de vida, a mãe percebia que ela chiava todos os dias. Teve uma bronquiolite (infecção viral que ataca as vias aéreas) e outras duas sérias crises de chiado que a mantiveram hospitalizada. "Antes do tratamento, mesmo quando ela não estava com falta de ar, não parava de chiar e estava sempre cansada, tinha medo que ela parasse de respirar", conta a mãe, Mariana Belo de Macedo, 20. Com o tratamento em curso, os próximos quatro meses serão de expectativa. "Nem sei como é a minha filha viver sem os medicamentos. Estou ansiosa para ver se vai dar tudo certo", diz Mariana.


[!] DIAGNÓSTICO
Os EXAMES mais comuns são raio-X, tomografia, avaliação de deglutição e de presença de refluxo gastroensofágico e prova de função pulmonar, além de uma CONVERSA para saber o número de crises de chiado e casos de ASMA NA FAMÍLIA




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