São Paulo, quinta-feira, 07 de janeiro de 2010 |
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OUTRAS IDEIAS Michael Kepp Um refém binacional
O caso de Sean Goldman, garoto de nove anos que foi alvo de disputa judicial, já em 2004, após sua mãe brasileira tê-lo trazido para viver no Brasil sem autorização do pai americano, demonstra os valores diferentes que as duas culturas atribuem à lei. Todos os americanos com quem conversei a respeito do fato o consideravam um caso de sequestro, flagrante violação da Convenção de Haia, da qual tanto o Brasil quanto os EUA são signatários. A mídia americana tomou a mesma posição. Já muitos dos brasileiros com quem conversei sobre o mesmo assunto, assim como a mídia brasileira, o entendiam como uma disputa de guarda de filho, a ser decidida com base em critérios socioafetivos, ou seja, considerando aquilo que fosse melhor para Sean. Para eles, o fato de a mãe ter violado uma lei internacional ao trazê-lo para o Brasil era secundário, se não irrelevante. Por que essa diferença? Muitos brasileiros acreditam que a lei deva ter flexibilidade para se adaptar às situações, o chamado "jeitinho". Muitos não a respeitam porque os poderosos do país são imunes a ela. Essa falta de respeito é demonstrada em ditados como "a lei, ora a lei" e "para meus amigos, tudo; para meus inimigos, a lei". Os americanos respeitam mais a lei porque os poderosos dos EUA não estão imunes a ela. Também sentem que os precedentes estabelecidos pelas leis desencorajam a futura desobediência a elas. Quando o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, concedeu a guarda de Sean ao pai, os americanos que conheço sentiram que a decisão reduziria os sequestros de filhos de casais formados por um cônjuge brasileiro e um americano. Muitos brasileiros sentem que, já que Sean estava adaptado à vida no Brasil, deveria ser permitido que ele ficasse no país, mesmo depois da morte da mãe, em 2008. Mas, se a Justiça brasileira não tivesse demorado tanto a solucionar o caso, a adaptação não teria adquirido importância. O sistema judiciário continuou lento depois da morte da mãe do garoto. Duvido que, sem isso, a Justiça brasileira, que quase sempre favorece a mãe em casos de guarda, tivesse entregado ao pai a custódia. Por fim, o episódio refletiu o nacionalismo brasileiro em sua pior forma. O ufanismo era demonstrado não só em faixas exibidas durante uma passeata no Rio que afirmavam que "Sean é brasileiro" como também na camisa da seleção brasileira de futebol que o menino usava quando seu padrasto o entregou às autoridades. Se havia incerteza quanto a julgar o caso como uma questão de guarda ou de sequestro, ele decerto não era uma questão de nacionalidade. O episódio envolvia um refém binacional de um sistema de Justiça moroso que o fez sofrer por tempo demais a agonia de não saber que país seria seu lar. E, independentemente da leitura feita do caso, nossa solidariedade deveria estar com o garoto. MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 27 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
Tradução de PAULO MIGLIACCI Leia na próxima semana a coluna de Dulce Critelli Próximo Texto: Pergunte aqui Índice |
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