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São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2003
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Estado adota medidas contra epidemia de obesidade, porém especialistas não acreditam na eficácia se não houver educação

Lei pode ajudar a mudar hábitos alimentares?

Bell Kranz/Folha Imagem
Casal toma sorvete em parque na Flórida, nos Estados Unidos


GUSTAVO PRUDENTE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um instrumento de peso surge para auxiliar no combate à obesidade: a Justiça, que chega para somar-se à pressão social e às recomendações médicas na guerra a essa doença que já foi classificada de epidemia pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
No Rio de Janeiro, por exemplo, a prefeitura baixou dois decretos no mês passado. Um deles, que vigora dentro de três meses, obriga as redes de fast-food a informarem as calorias e os valores nutricionais dos seus lanches. Além disso, desde o ano passado, no Rio, a exemplo de Florianópolis, as cantinas de escolas municipais estão proibidas de vender e fazer propaganda de alimentos hipercalóricos. Em São Paulo, a novidade é a ação civil protocolada pelo Ministério Público que incide sobre os dois principais fabricantes de refrigerante do país. O que se requisita: advertência nos rótulos sobre os riscos do consumo excessivo dos refrigerantes e restrição da publicidade para o público infantil. Propostas desse tipo suscitam algumas questões. Será que uma lei pode funcionar como dieta de emagrecimento ou ter o poder de barrar o crescimento de gordos no país? Ou a mudança de hábitos alimentares passa, antes de mais nada, pela educação, e não pela legislação? Afinal, direito de escolher o que se come todo mundo tem. Mas a escolha implica ter conhecimento das opções. O poder público até já ensaiou uma insípida estratégia de educação alimentar ao determinar a inclusão da tabela nutricional nas embalagens dos produtos. O problema é que, segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia, o brasileiro não gosta de ler essas tabelas. "Por isso queremos uma informação genérica, alertando que aquele alimento pode levar à obesidade. Também queremos criar selos para avisar sobre os diferentes graus de risco que um determinado alimento pode oferecer. É uma maneira de levar informação para todos", diz Valéria Guimarães, presidente da sociedade. O neurologista comportamental Ivan Okamoto, da Unifesp, não acredita em mudança de comportamento por tais métodos. "É como o cigarro. O ministério adverte que é prejudicial à saúde, mas ainda se fuma", diz. Para ele, a questão é muito mais de caráter cultural. "Nas escolas, por exemplo, é mais fácil e lucrativo vender um sanduíche do que uma fruta, porque as pessoas já estão acostumadas a comer comidas rápidas", diz. O endocrinologista Cyro Guimarães Júnior relata o caso do Japão, onde se tentou proibir a venda do glutamato monossódico (conhecido aqui por Aji-no-moto) devido aos altos índices de hipertensão arterial e de doenças cardiovasculares no país. "Mas o uso desse produto é cultural, e as pessoas acharam maneiras de substituí-lo. Há cerca de um ano e meio, ele acabou voltando ao mercado." Em Cingapura, para diminuir o índice de obesidade, chegou-se a estabelecer na escola que a criança que não conseguisse emagrecer seria reprovada, diz Walmir Coutinho, da Federação Latino-Americana de Obesidade.

Filosofia do rápido e fácil
Às vezes, mesmo com informação, o cidadão escolhe a opção de vida menos saudável. Os motivos podem ser diferentes problemas físicos e/ou psíquicos, como falta de auto-estima, educação alimentar imprópria durante a infância ou ainda a busca, na saúde e em todas as áreas da vida, da filosofia do rápido e fácil. A mesma dos fast-foods, que são um dos vilões da obesidade.
Para a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão, é impossível pensar uma sociedade plenamente saudável. "Estamos partindo do princípio de que todos vão ser santos na alimentação. Há gente que bebe, que fuma, que come fritura, mas se responsabiliza por isso. Não gosto desse negócio de órgão público decidir pelos adultos, porque isso os infantiliza. Se quero escolher algo que não é saudável, assumo as consequências."
Para Valéria Guimarães, a pessoa "tem direito de comer, mas não de ficar doente e sobrecarregar o sistema público de saúde". E foi a classificação da obesidade como problema de saúde pública o argumento usado pelo promotor João Lopes Guimarães Júnior para criar a ação civil contra os fabricantes de refrigerante.
"O código de defesa do consumidor proíbe a publicidade que induz alguém a se comportar de forma prejudicial à sua saúde. Da mesma forma, impede qualquer empresa de se aproveitar da deficiência de julgamento e experiência da criança para vender um produto. Pesquisei bastante e descobri que a obesidade está diretamente relacionada ao consumo de refrigerantes e que a dieta das crianças é influenciada pela propaganda, o que me permitiu usar a lei", explica.
Quando se trata de consumidor infantil, muitos dos especialistas consideram que, ao menos no ensino fundamental, os lanches deveriam ser obrigatoriamente saudáveis. "Ensinar nas salas de aula que se deve comer um tipo de alimento e, nas cantinas, oferecer outro é um contra-senso. Na escola, fritura é droga. E, se é para liberar uma droga, que se liberem todas", diz o psiquiatra Arthur Kaufman, coordenador do Prato (Projeto de Atendimento ao Obeso), da Faculdade de Medicina da USP.
Sobre as propagandas de alimentos gordurosos com apelo infantil, ele também é contra. "Imagine como estariam as crianças se comessem tudo o que a Xuxa recomenda! É difícil ser tão justo e democrático, é como perguntar a um paciente com que remédio ele quer ser tratado. Agora, é claro que restrição sem educação não adianta."
Para Sayão, radicalizar, simplesmente permitindo ou proibindo tudo, é sempre a saída mais fácil, porque dispensa o ato de educar. Ao colocar restrições, é preciso explicá-las, o que não significa dar palestras de nutrição. "Diálogo com criança que quer tomar refrigerante não existe. Ela não está preocupada com o futuro, mas com seu prazer imediato. O melhor a fazer é liberar alguns dias e controlar em outros. Dessa forma, ela aprenderá mecanismos de auto-regulação", diz.
Há um ponto em que todos os profissionais concordam: a boa educação alimentar da criança passa, necessariamente, pela reeducação dos pais.
"São eles que dão os alimentos hipercalóricos, seja por falta de informação, seja porque não ligam, seja porque não sabem dizer não", afirma Kaufman.
Leia nesta página e na próxima, uma lista de "truques" fornecidos por diferentes especialistas para conquistar novos e bons hábitos alimentares e educar os futuros adultos.


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