São Paulo, quinta-feira, 07 de setembro de 2000
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s.o.s. família

Ajude seu filho a ter privacidade

Rosely Sayão

Outro dia estava assistindo TV e passei por um canal que exibia um programa para jovens que apresentava um quadro cuja finalidade era conversar sobre sexo. Quem não tem dúvidas sobre sexo?
Todos, claro, e os jovens, então, nem se fala! E nada melhor do que poder conversar sobre esse assunto, ouvir, saber que muitos outros têm as mesmas dúvidas para que a inquietação possa se acalmar, pelo menos um pouco.
Justamente na hora em que peguei o programa, uma espectadora adolescente perguntava a um dos participantes, um cantor conhecido de idade semelhante, com quem ele tinha tido sua primeira transa. Ele respondeu!
Aliás, basta ler reportagens de revistas com os chamados famosos que, invariavelmente, eles falam sobre sua vida sexual.
O que os pais têm a ver com isso? Muita coisa. Primeiro, muitos deles, querendo proteger os filhos nessa época de abundância sexual com os consequentes riscos de vida e de morte que a prática acarreta, passaram a falar com os filhos a respeito desse assunto: dão conselhos, compram camisinha, abrem a casa para que os filhos e as filhas durmam com o namorado ou namorada, verificam diariamente se a filha tomou a pílula contraceptiva, perguntam como vão as coisas e muito mais. Esse é o problema.
Então quer dizer que é problema os pais conversarem com os filhos sobre sexo? Imagina! Ninguém melhor do que os pais para dar as orientações devidas aos filhos, transmitir os valores que julgam importantes, a moral, as condutas que valorizam. Então, qual o problema?
O problema tem sido justamente a dificuldade dos pais em fazer a separação entre educar e bisbilhotar e também em ensinar aos filhos os limites da vida privada, da vida íntima. Quando o filho começa a caminhar para a vida adulta, e isso fica bem mais visível na adolescência, ele vai, cada vez mais, ter sua própria vida. Isso supõe também a vida sexual. E deveria supor, igualmente, o direito a ter seus segredos, a não querer compartilhar sua intimidade com os pais. E os pais estão dando aos filhos essa chance? Muitos não.
Procurando o caminho de estar sempre ao lado dos filhos, de poder poupar os filhos de problemas mais sérios, de ter e garantir a confiança deles, muitos pais estão tentando se tornar os confidentes dos filhos a respeito da vida íntima deles, o que é lamentável por dois motivos.
O primeiro é que essa postura, por mais bem-intencionada que seja, acaba provocando dependência: contar aos pais o que faz ou deixa de fazer na intimidade significa repartir com eles as responsabilidades pelo que faz.
O segundo é não ensinar uma das coisas mais importantes para a vida sexual: os limites. Os filhos têm limites, os pais também, e a vida sexual, mais ainda.
Nessa relação tão delicada entre pais e filhos, há muito afeto envolvido, muita expectativa, muito conflito. E cabe aos pais a parte mais difícil e mais importante: a educação para o futuro, para a vida adulta, para a autonomia. Sem direito à vida privada, não há autonomia possível.
Os pais devem, sim, conversar com os filhos sobre sexo e orientar no que for preciso. Mas apenas na teoria, e isso não significa saber dos segredos deles. Isso significa, ao contrário, ajudar o filho a construir sua privacidade, a saber escolher se quer contar, o que contar e a quem contar. Já basta boa parte da mídia confundindo: os pais precisam é educar.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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