São Paulo, terça-feira, 07 de setembro de 2010
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NEURO

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

Comer cru é para quem não sabe cozinhar


Quando o alimento é cozido, o tempo de mastigação é menor e o aproveitamento da refeição é muito maior


O QUE NOS DISTINGUE dos outros animais?
Gostamos de pensar que é nossa capacidade de pensar coisas complicadas, mas adoro lembrar que talvez a diferença original, aquela que tornou todas as outras diferenças possíveis em seguida, tenha sido bem mais prosaica: aprendemos a cozinhar.
O ser humano é o único animal que sabe dominar o fogo para cozinhar o que come. E isso não seria consequência da nossa humanidade, mas razão dela.
De acordo com a tese do antropólogo norte-americano Richard Wrangham, o aumento do tamanho do cérebro que nos tornou humanos, com um número de neurônios talvez maior do que todos os outros animais, só teria sido possível quando o Homo erectus aprendeu a cozinhar seus alimentos.
A razão? Comer cru é um esforço imenso e demorado para um resultado energético mínimo. Além de os alimentos crus (à exceção das frutas macias) precisarem ser mastigados mais tempo para poderem ser engolidos, sua exposição às enzimas digestivas é pequena, assim como a absorção dos nutrientes.
O rendimento calórico que vem nas embalagens dos alimentos -4 kcal por grama de carboidrato ou proteína, 9 kcal por grama de gordura- é teórico e presume um aproveitamento de 100% dos alimentos na digestão. Se a comida é crua, esse rendimento cai pela metade.
Resultado: quem só come cru acha que está ingerindo as 2000 kcal que precisa por dia, mas está na prática subalimentado. Por isso essas pessoas tendem a ser magérrimas e subnutridas.
Comer cozido, ao contrário, reduz o tempo de mastigação e o tempo de atividade do sistema digestivo e, portanto, os custos metabólicos da digestão; aumenta o aproveitamento dos alimentos para quase 100% e, portanto, sua qualidade energética e, logo, aumenta o aporte energético para o cérebro.
Assim conseguimos ingerir muito mais calorias úteis do que qualquer outro primata, e em menos tempo: pela primeira vez, sobra tempo para fazer outras coisas!
E alguns crudívoros ainda se justificam dizendo que "era assim que nossos ancestrais comiam, então é assim que devemos comer".
Não, não. Estamos hoje aqui justamente porque nossos ancestrais aprenderam a comer, ou nunca teriam conseguido alimentar o cérebro grande que puderam assim passar a ter. Só comer cru é para animais que não sabem cozinhar.


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com


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