São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004
Texto Anterior | Índice

outras idéias

thereza soares pagani ("therezita")

Bagunça ou excesso de presentes?

Que tal, quando estivermos com vontade de gastar, nos lembrarmos de dar à criança uma de nossas histórias do tempo de infância ou levá-la a um passeio pelo quarteirão?

Há muito tempo venho sendo questionada por mães que não sabem o que fazer nem como lidar com "crianças bagunceiras, desobedientes" etc. etc. na hora de arrumar a avalanche de brinquedos ganhos no aniversário, no Dia das Crianças, no Natal, na Páscoa, nas festas judaicas (Pessach, Rosh Hashaná), no fim de semana passado na casa dos avós, na volta das viagens dos pais ou parentes próximos -para não falar daqueles que fazem parte do dia-a-dia da mãe que trabalha fora e, talvez bem-intencionada, desejando abrandar o sentimento de culpa por não estar ao lado da criança, em vez de explicar a ela que a família necessita de que ela trabalhe, já sai com a lista para a volta da jornada.
A linguagem da "economia doméstica" deve ser incorporada pelos filhos desde os três anos de idade, e não oculta deles. O cofrinho já deve fazer parte da poupança familiar para que o pupilo suavemente entenda para que serve o dinheiro.
Uma família de bom senso faz, magistralmente, essa ponte, começando pela falta de espaço dos "apertamentos". O caos da bagunça não faz bem a ninguém.
Qual é a solução? Ela existe? É a babá que deve "mostrar serviço" e deixar tudo em ordem provando sua eficiência? Não lidar com o aprendizado do novo déspota, mandão e desordeiro, que mais tarde vai dizer a professores e serventes: "Meus pais pagam a escola para que vocês façam a arrumação. Eu não sou escravo para trabalhar... a mamãe e o papai dizem assim: "Quando eu pago, é para os outros trabalharem'". Por incrível que pareça, esse conceito está bem arraigado nas nossas crianças de hoje, do século 21. A cooperação, o fazer junto, a alegria de cuidar da ordem, da arrumação, do espaço coletivo da casa, tudo isso é delegado aos outros. Quando Sua Majestade, a criança, vai cuidar dos seus pertences? Dos mais queridos brinquedos? Dessa forma, nunca!
Nos três primeiros anos, quando a constituição corpórea ainda está em bloco, é normal que as crianças joguem os brinquedos para dentro ou para fora dos cestos ou dos caixotes. As etapas são passageiras, temos de ficar atentos para as seguintes, que devem se valer de baldes, caixas menores e sempre uma chamada "hospital ou pronto-socorro", em que, na hora da separação por categoria, ficam os quebrados a serem consertados e recriados. Nossas crianças inteligentes, curiosas e investigadoras gostam de saber como foram feitos os brinquedos e como funcionam. Isso é ótimo, louvável, embora nem sempre seja aprovado pelos pais, que sabem o valor monetário do brinquedo e não entendem o maior valor do empreendedor, pesquisador, tido como destruidor.
Com os livros, acontece a mesma coisa: às vezes são destruídas páginas nas quais a ilustração ou os movimentos das figuras tridimensionais provocam medo. Ou então eles querem dizer: "Vocês, papais, estão estudando demais. Quero um pouco de tempo para mim".
Os amigos livros devem ir para os cestos também, assim como as revistas e os jornais a serem rasgados, recortados e colados; outro cesto pode ser usado para os livros de pano, os livros do tipo sanfona ou biombo e os livros com cartonagem dura. Etapa seguinte: colocação de prateleiras onde o processo de empilhar e dispor horizontalmente é usado em vez da arrumação vertical, que vai demorar um bom tempo. Observar e manter a paciência é muito importante -a nossa ordem é outra. Recuperar os livros e tratá-los com carinho é essencial. Quando as crianças ajudam na recuperação, muitas vezes relatam por que fizeram o ocorrido. Sentem alívio nessa ação.
Outras dicas para fazer escoar a profusão de presentes: brincar de lojinha ou de banca na frente do prédio para vendê-los aos transeuntes, trocar com amigos ou dar de presente o brinquedo de que mais gostava à melhor amiga ou ao melhor amigo no dia do aniversário. Os pais não devem ficar constrangidos com esse gesto, pois ele mostra uma atitude de desprendimento e de alegria em dar.
Também é interessante sentar com as crianças e conversar sobre o que acham de escolher, a cada semana, cinco ou seis brinquedos de que gostam mais e deixar todos os outros guardados no armário para que, assim, possam desfrutar deles com maior possibilidade de fantasia e brincar muito mais -afinal, na hora de arrumar, também vai ser muito mais rápido colocar tudo em ordem, cada qual no lugar determinado. Um elogio social e a apreciação do adulto nessa hora são indispensáveis.
Já ouvi criança dizer: "Não quero mais brinquedos, tenho um armário com muitos, muitos brinquedos novos". Espanto para os adultos, mas uma grande verdade. As crianças não são consumistas, mas nós, adultos, somos carentes de presentes e as atochamos de mimos indiscriminadamente -para a alegria dos lojistas. Que tal, quando estivermos com vontade de gastar, nos lembrarmos de dar à criança uma de nossas histórias do tempo de infância ou levá-la a dar um passeio no quarteirão, fazer um biscoito com ela e saboreá-lo com um belo copo de leite ou suco? Tenho certeza de que vão ficar esperando que você volte para nova incursão na fabricação de mais novidades.
Na cozinha, é possível fabricar bichos com legumes, frutas, palitos e hortaliças e, depois, saborear e enriquecer o organismo com vitaminas criativas. Os adultos que têm aptidão manual podem criar brinquedos e consertar os quebrados com material simples -as crianças ficam vidradas e orgulhosas do criador. Quer alegria maior que essa? São vivência para toda a vida. VIVA!


Thereza Soares Pagani ("Therezita") é educadora e diretora da Tearte, escola de educação infantil; e-mail: tepagani@uol.com.br


Texto Anterior: Frase
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.