São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2008
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OUTRAS IDÉIAS

Anna Veronica Mautner

Leia jornal e nunca mais fique só...


[...] LEIO JORNAIS NÃO PARA SABER O QUE ACONTECEU, MAS PARA LER O QUE MEUS AMIGOS, FIÉIS E PENSANTES, VÃO ME CONTAR SOBRE O QUE JÁ SEI

Parece ser muito difícil para os meios de comunicação impressos, especialmente para o jornal diário, competir com as formas mais modernas de divulgar notícias. Falo da televisão e da internet. O jornal diário, calhamaço onde fica perdido quem não está habituado a se orientar, não pode concorrer com a rapidez com que a notícia chega pelo rádio ou pela televisão, muito menos pela internet. Esses novos meios permitem saber praticamente na hora o que está acontecendo em qualquer lugar do mundo.
Antes de a televisão ser tão difundida, quando algo muito especial acontecia, os jornais publicavam uma edição extra e os jornaleiros gritavam pelas ruas: "Extra! Extra! Extra!" Essa edição foi assassinada pela TV e pelo plantão urgente, que interrompe seja lá qual for o programa. Claro que assim é muito melhor. Pudemos ver praticamente ao vivo, em todo o mundo, os aviões entrando nas torres gêmeas e a queda delas, em 2001.
Mas o jornal tem outra coisa que a TV e a internet não têm. Leitora contumaz de jornais que sou, leio-os não para saber o que ou como aconteceu, mas para ler o que meus amigos, fiéis e pensantes, vão me contar sobre o que já sei.
Por onde andou Clóvis Rossi, o que pensa das notícias de ontem Dora Kramer, por onde anda a cabeça de Danuza, será que o Contardo vai opinar sobre Isabella, sobre o que matuta Luiz Weis, que palpite vão dar o Cony, o Loyolla, o Jabor, Nelson Motta, Ruy Castro, Delfim Netto, Moacyr Scliar, Dulce Critelli etc.?
Alguns já vi pessoalmente, outros conheço pouco, mas são todos importantes porque são como uma bússola para meus pensamentos. Com alguns concordo, outros uso como referência de discordância, outros como curiosidade. O fato de eles pensarem me obriga a refletir. Muitos são pagos por nós, leitores, indiretamente, para que nos mostrem a diversidade de opiniões possíveis sobre os acontecimentos de ontem.
Entre ler muitos blogs e ler um jornal, fico com meus amigos do jornal. Sempre ali, envolvem-me numa familiaridade da diversidade. Os articulistas, os colunistas, encontrados no mesmo lugar, no dia deles, me dão a impressão -falsa, eu sei- de viver em um mundo conhecido. Eles todos lêem, pesquisam para mim.
Grandes autores foram grandes cronistas. Especialistas tornam-se colunistas importantes. Pode haver algo melhor do que saber que Claudio Angelo ou Fernando Reinach leram "Nature" nesta semana e escolheram sobre o que me informar? Maria Inês Dolci vai me contar o que há de novo com o consumo, Washington Novaes não vai deixar de me dizer como vai a água na Terra. Que salão literário ou mundano me permitiria ouvir a opinião de tantos sobre o cotidiano?
Estas folhas enormes que nos sujam a mão de preto, que às vezes nos dão dor no braço, são ainda a maneira melhor de dialogar com os bacanas. Quanto mais opinativo, quanto mais variado, mais nosso diálogo é denso e intenso.
O jornal pode ser lido em qualquer lugar, pode ser carregado, pode ser lido quando falta energia, quando o provedor está em pane e em outras situações esdrúxulas -pode ser lido até na semana que vem. É por isso tudo que proponho: leia jornal. A gente não se acostuma logo, mas, depois que toma o vício, nunca mais se sente só.


ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

amautner@uol.com.br



Leia na próxima semana a coluna de Dulce Critelli


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