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Outras idéias
Michael Kepp
Puritanismo
[...] Apesar de todo país ter suas contradições culturais , elas parecem mais evidentes nos EUA do que no Brasil
A maioria dos brasileiros se considera a
anos-luz dos americanos (chamados de puritanos) em termos de liberdade sexual. As brasileiras se recusam a copiar a moda americana, que esconde o corpo. Nas
praças brasileiras, paqueram e
beijam apaixonadamente,
comportamento raramente
visto em ruas americanas. Mas
a TV brasileira, que molda e reflete atitudes culturais, não é
explícita sexualmente, revelando um país em que o puritanismo tem só outro nome: pudor.
Há muitas moças de minissaia e blusa decotada rebolando
nos programas do Faustão e do
Huck. Mas a TV paga americana (assistida por 76% do público) tem séries como "Sex and
the City", cheias de cenas que
lidam abertamente com o sexo,
ao dispor de apenas 8% dos
brasileiros com TV por assinatura. Os outros 92% têm de se
contentar com a sexualidade
sugerida e a linguagem cripto-erótica das novelas. Só em "Sex
and the City" podemos ouvir
palavras como orgasmo e clitóris e ver Sônia Braga, no papel
de lésbica, com um "dildo"
(consolo).
Nas novelas brasileiras, personagens gays nem podem se
beijar. No último episódio de
"América", o país parou porque
foi anunciado o primeiro beijo
gay em uma novela, gravado
mas não mostrado. O primeiro
beijo gay da TV americana foi
na série "L.A. Law", em 1991.
Em "A Sete Palmos" (2000-2005), as cenas de sexo entre
um policial negro e um diretor
de funerária branco eram tão
quentes e explícitas que a sexualidade em "O Segredo de
Brokeback Mountain" parecia
vitoriana em comparação.
Apesar de todo país ter suas
contradições culturais, elas parecem mais evidentes nos EUA
do que no Brasil. Numa era em
que o beijo de cinema americano só podia ser de boca fechada,
foi publicado o "Relatório Kinsey" (1948), o primeiro e maior
estudo sobre comportamento
sexual humano. O estudo impulsionou a revolução sexual
nos anos 60 e 70. Ainda assim,
apesar dos avanços, um caso
com uma estagiária da Casa
Branca, em 1998, ameaçou o
mandato de um presidente.
É verdade, um escândalo assim não aconteceria aqui. Mas,
nos dois países, há uma mistura
de permissividade sexual e pudor, deixando claro que nenhum dos dois é para principiantes. Uma nação em que a
roupa de banho nada revela,
mas que é repleta de praias e
colônias de nudismo, é tão difícil de decifrar quanto uma em
que os biquínis insinuam uma
desinibição sexual que, na TV,
não fica mais explícita do que a
dança da boquinha da garrafa.
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 24 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e
Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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