São Paulo, quinta-feira, 08 de julho de 2004
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s.o.s. família

rosely sayão

Respeite as férias infantis como se fossem as suas

Quem tem filhos na escola que se prepare: as férias chegaram. Isso significa criança em casa, o que sempre modifica -conturba, segundo alguns pais- o cotidiano familiar. Criança adora férias. Nesse período, ela não tem de seguir aquela rotina bem rigorosa de horários, de obrigações, de tarefas a cumprir etc. Durante as férias, a criança e o jovem podem dormir até acordar, ou seja, até o sono acabar sozinho, podem fazer suas coisas sem serem atropelados pelos horários do adulto. Podem ter preguiça sem cobranças.
Quer dizer, eles poderiam fazer tudo isso se os adultos permitissem e se respeitassem o período de férias. Mas parece que a gente grande resolveu abrir guerra contra as crianças e os adolescentes. Quer ver só?
As escolas de educação infantil, por exemplo, oferecem em julho os chamados "cursos de férias". Em que consiste isso? Em geral, os educadores se requebram para inventar atividades que marquem alguma diferença em relação às oferecidas no período normal de aulas, para que elas ganhem um contorno um pouco mais atrativo e parecido com férias e menos com aulas regulares. Temas centralizadores, que norteiam todas as atividades dirigidas, passeios e pequenas excursões, piqueniques, experiências culinárias, contar histórias, vale tudo para entreter a criança.
E esta, como reage? Ela gosta? Sim, não podemos negar que essa recreação orientada tem lá seus méritos. Então, qual o problema de levar os filhos para tais cursos? Um deles é o fato de a criança perder a possibilidade de curtir o tempo de férias como bem quiser. Outro ponto importante: os educadores passam a assumir um papel bem pouco adequado. Transformam-se em animadores, em recreacionistas. Ora, esse papel cai bem a quem trabalha em bufês, mas não a professores, certo?
Famílias e escolas têm sua responsabilidade nessa história. Muitos pais solicitam à escola que ofereça esses cursos de férias para que os filhos não fiquem em casa o tempo todo, largados ao léu. Eles sempre têm boas justificativas para essa demanda: continuam trabalhando nesse período e os filhos criam muita confusão quando não têm rotina e ficam muito tempo sozinhos. A esses pais dou uma sugestão: que em seu próprio período de férias decidam passar esse tempo no local de trabalho, desfrutando das mesmas companhias. Quem se habilita?
As escolas, por sua vez, agem nessa hora como se fossem um negócio qualquer e se rendem aos pedidos da freguesia. Para tanto, esquecem todas as teorias do conhecimento que indicam o quanto é importante para o desenvolvimento da criança que ela tenha períodos de descanso da rotina, tenha tempo para aprender a ser sozinha e, com isso, amadurecer e ganhar autonomia.
E com os alunos do ensino fundamental e médio, o que acontece? Para esses, os professores têm alvo certo: trabalhos e lições para realizar no período em que deveriam pouco se lixar para as atividades escolares. E há pai que gosta, porque aí tem o que cobrar do filho. Pais deveriam proibir filhos de fazer lição nesse tempo, tanto quanto não aceitam -e se aceitam, não deveriam- levar trabalho para casa quando tiram férias. E sempre é bom lembrar: escola que realiza seu trabalho com competência no período letivo não manda lição de casa nas férias.
Só para lembrar: segundo o dicionário "Houaiss", "férias são um período de descanso a que têm direito empregados, servidores, estudantes etc., depois de passado um ano ou um semestre de trabalho ou de atividades". Direito é para ser respeitado. Essa não é uma das lições que queremos dar aos nossos filhos e alunos quando os educamos? Como exigir que eles cumpram seus deveres se não respeitamos seu direito básico de ter férias?


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre outros; e-mail: roselys@uol.com.br


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