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Postergar tarefas atrapalha o cotidiano, reduz a auto-estima e pode se tornar um hábito crônico, prejudicando a saúde
Adiar compromissos traz alívio apenas temporário
ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem pensa que "empurrar com a barriga" é uma característica típica e
exclusiva dos brasileiros está enganado: a procrastinação -hábito de
adiar tarefas- é mundial, tanto que é objeto de estudo de um grupo de pesquisa da Universidade Carleton (Canadá) e tema de vários livros nos Estados Unidos. Afinal, de acordo com os especialistas, todas as pessoas, sem exceção, procrastinam. O que varia é a frequência com que fazem isso.
Deixar para depois não é sinal de que a
preguiça ou a irresponsabilidade imperam. "Aquele que procrastina prioriza
coisas menos importantes em vez de direcionar suas ações para aquilo que seria
mais necessário realizar. Ele coloca diversas tarefas menores na frente", explica a
psicóloga Rachel Rodrigues Kerbauy,
professora titular do departamento de
psicologia experimental da USP.
Joseph Ferrari, professor de psicologia
da Universidade DePaul, em Chicago
(EUA), e autor do livro "Procrastination
and Task Avoidance" (procrastinação e
adiamento de tarefas), da editora Perseus, diz que "mais do que uma questão
de não administrar bem o tempo, o ato
de procrastinar faz a pessoa viver a ilusão
de que, adiando, tudo será solucionado
como num passe de mágica".
A psicóloga Graça Oliveira, do Núcleo
de Medicina do Comportamento, do Rio
de Janeiro, complementa essa idéia. "O
adiamento pode proporcionar um alívio
temporário, uma sensação de tranquilidade, porque a pessoa crê que tudo vai
dar certo no final", afirma.
Para o psicanalista Ari Rehfeld, supervisor da clínica psicológica da PUC-SP, a
pessoa que procrastina não se relaciona
bem com o real. "A realidade assusta.
Com medo, a pessoa vira uma espécie de
avestruz: enfia a cabeça na terra com a esperança de que aquela realidade mude."
Mas não só a realidade que desagrada
(como, por exemplo, ter de dizer a um
amigo que não será possível pagar a dívida no prazo combinado) faz com que as
pessoas adiem seus compromissos.
"Quem procrastina não toma essa atitude somente em relação às situações que
causam desconforto, mas também diante daquilo que lhe dá prazer", afirma Kerbauy. Ela cita como exemplo uma aluna que adora escrever cartas mas, na hora de levá-las ao correio, sempre demora alguns dias. "Ela diz que não se sente inspirada. Mas desde quando é preciso inspiração para ir ao correio?"
A explicação de Rehfeld ajuda a esclarecer porque as atividades prazerosas também são adiadas. Ele diz que a consciência da própria mortalidade é que faz as pessoas postergarem alguma atividade,
seja ela interessante ou desagradável. "Se
elas têm a chance de adiar alguma escolha, fazem-no porque têm a sensação de
estar garantindo o dia de amanhã. É uma
forma de se iludir, de tentar se tornar
imortal", afirma.
Talvez por isso as pessoas idosas sejam
menos afeitas ao adiamento. "A experiência de ter passado por vários momentos de perda faz com que os idosos
tenham mais clareza para identificar o
que é prioritário ou não", diz Graça Oliveira. "E os mais saudáveis podem olhar
para trás e dizer: "Muitas coisas que eu
quis eu realizei, não preciso ter essa ansiedade de garantir que amanhã serei
útil"", afirma Rehfeld.
Fase crítica
O início da vida adulta, dizem os especialistas, é o período mais
crítico quando se fala em procrastinação.
Na adolescência, o adiamento é consequência principalmente do medo de fazer alguma coisa e ser criticado. Por volta
dos 24, 25 anos, a pessoa começa a ser
obrigada a assumir responsabilidades
que, antes, quando contava mais com o
auxílio direto dos pais, podia delegar
com certa facilidade.
"A pessoa sofre o impacto das muitas
coisas que tem de realizar e, como ainda
não tem o know-how para conciliar tudo,
pode adiar decisões importantes", explica Rehfeld. "O problema é que, nesse período, se a pessoa não parar para refletir
sobre os motivos do adiamento, pode fazer com que esse comportamento torne-se padrão em sua vida", diz Oliveira.
Para a consultora norte-americana Rita
Emmett, autora do livro "The Procrastination Child: A Handbook for Adults to
Help Children Stop Putting Things Off"
(a procrastinação infantil: um manual
para adultos ajudarem as crianças a não
adiar), da editora Walker & Co., que deve
ser lançado nos EUA neste ano, muitas
crianças acabam se tornando procrastinadoras por causa dos pais. "Se o pai diz
que o filho só pode sair para brincar se arrumar o quarto antes, mas não explica a importância de priorizar as coisas, a
criança vai ficar ansiosa para sair e pode
não se concentrar na arrumação."
Independentemente da fase em que a
procrastinação ocorre, as consequências
que esse hábito traz podem ir além do nível prático (como chegar atrasado a uma
festa porque a compra do presente ficou
para o último minuto), tendo reflexos na
saúde da pessoa. "A procrastinação é um
problema sério, que pode causar transtornos psicológicos e atingir o nível físico", diz Joseph Ferrari. Ele explica que todos acabam adiando uma ou outra tarefa, "mas o procrastinador crônico adia
diariamente, várias vezes". Leia, na página 8, as características do procrastinador e dicas para driblar a vontade de adiar.
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