São Paulo, quinta-feira, 08 de agosto de 2002
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Postergar tarefas atrapalha o cotidiano, reduz a auto-estima e pode se tornar um hábito crônico, prejudicando a saúde

Adiar compromissos traz alívio apenas temporário

ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem pensa que "empurrar com a barriga" é uma característica típica e exclusiva dos brasileiros está enganado: a procrastinação -hábito de adiar tarefas- é mundial, tanto que é objeto de estudo de um grupo de pesquisa da Universidade Carleton (Canadá) e tema de vários livros nos Estados Unidos. Afinal, de acordo com os especialistas, todas as pessoas, sem exceção, procrastinam. O que varia é a frequência com que fazem isso.
Deixar para depois não é sinal de que a preguiça ou a irresponsabilidade imperam. "Aquele que procrastina prioriza coisas menos importantes em vez de direcionar suas ações para aquilo que seria mais necessário realizar. Ele coloca diversas tarefas menores na frente", explica a psicóloga Rachel Rodrigues Kerbauy, professora titular do departamento de psicologia experimental da USP.
Joseph Ferrari, professor de psicologia da Universidade DePaul, em Chicago (EUA), e autor do livro "Procrastination and Task Avoidance" (procrastinação e adiamento de tarefas), da editora Perseus, diz que "mais do que uma questão de não administrar bem o tempo, o ato de procrastinar faz a pessoa viver a ilusão de que, adiando, tudo será solucionado como num passe de mágica".
A psicóloga Graça Oliveira, do Núcleo de Medicina do Comportamento, do Rio de Janeiro, complementa essa idéia. "O adiamento pode proporcionar um alívio temporário, uma sensação de tranquilidade, porque a pessoa crê que tudo vai dar certo no final", afirma.
Para o psicanalista Ari Rehfeld, supervisor da clínica psicológica da PUC-SP, a pessoa que procrastina não se relaciona bem com o real. "A realidade assusta. Com medo, a pessoa vira uma espécie de avestruz: enfia a cabeça na terra com a esperança de que aquela realidade mude."
Mas não só a realidade que desagrada (como, por exemplo, ter de dizer a um amigo que não será possível pagar a dívida no prazo combinado) faz com que as pessoas adiem seus compromissos. "Quem procrastina não toma essa atitude somente em relação às situações que causam desconforto, mas também diante daquilo que lhe dá prazer", afirma Kerbauy. Ela cita como exemplo uma aluna que adora escrever cartas mas, na hora de levá-las ao correio, sempre demora alguns dias. "Ela diz que não se sente inspirada. Mas desde quando é preciso inspiração para ir ao correio?" A explicação de Rehfeld ajuda a esclarecer porque as atividades prazerosas também são adiadas. Ele diz que a consciência da própria mortalidade é que faz as pessoas postergarem alguma atividade, seja ela interessante ou desagradável. "Se elas têm a chance de adiar alguma escolha, fazem-no porque têm a sensação de estar garantindo o dia de amanhã. É uma forma de se iludir, de tentar se tornar imortal", afirma. Talvez por isso as pessoas idosas sejam menos afeitas ao adiamento. "A experiência de ter passado por vários momentos de perda faz com que os idosos tenham mais clareza para identificar o que é prioritário ou não", diz Graça Oliveira. "E os mais saudáveis podem olhar para trás e dizer: "Muitas coisas que eu quis eu realizei, não preciso ter essa ansiedade de garantir que amanhã serei útil"", afirma Rehfeld.

Fase crítica
O início da vida adulta, dizem os especialistas, é o período mais crítico quando se fala em procrastinação. Na adolescência, o adiamento é consequência principalmente do medo de fazer alguma coisa e ser criticado. Por volta dos 24, 25 anos, a pessoa começa a ser obrigada a assumir responsabilidades que, antes, quando contava mais com o auxílio direto dos pais, podia delegar com certa facilidade.
"A pessoa sofre o impacto das muitas coisas que tem de realizar e, como ainda não tem o know-how para conciliar tudo, pode adiar decisões importantes", explica Rehfeld. "O problema é que, nesse período, se a pessoa não parar para refletir sobre os motivos do adiamento, pode fazer com que esse comportamento torne-se padrão em sua vida", diz Oliveira.
Para a consultora norte-americana Rita Emmett, autora do livro "The Procrastination Child: A Handbook for Adults to Help Children Stop Putting Things Off" (a procrastinação infantil: um manual para adultos ajudarem as crianças a não adiar), da editora Walker & Co., que deve ser lançado nos EUA neste ano, muitas crianças acabam se tornando procrastinadoras por causa dos pais. "Se o pai diz que o filho só pode sair para brincar se arrumar o quarto antes, mas não explica a importância de priorizar as coisas, a criança vai ficar ansiosa para sair e pode não se concentrar na arrumação."
Independentemente da fase em que a procrastinação ocorre, as consequências que esse hábito traz podem ir além do nível prático (como chegar atrasado a uma festa porque a compra do presente ficou para o último minuto), tendo reflexos na saúde da pessoa. "A procrastinação é um problema sério, que pode causar transtornos psicológicos e atingir o nível físico", diz Joseph Ferrari. Ele explica que todos acabam adiando uma ou outra tarefa, "mas o procrastinador crônico adia diariamente, várias vezes". Leia, na página 8, as características do procrastinador e dicas para driblar a vontade de adiar.


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