São Paulo, quinta-feira, 08 de setembro de 2005
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Fitness

O "parkour", esporte francês que usa objetos da cidade como obstáculos, conquista adeptos no Brasil

Urbano e radical

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem freqüenta a praça do Reservatório Sumaré, da Sabesp, em São Paulo, já deve ter prestado atenção na cena: todo sábado, um grupo de jovens de idades variadas corre pelo local, pulando, escalando e se equilibrando nos muros, nas árvores e nas grades que compõem a paisagem. O que a princípio pode parecer brincadeira de criança -com manobras bem mais ousadas- é, na verdade, um novo esporte radical criado na França que começa a conquistar adeptos em várias cidades brasileiras.
O "parkour" -originário do francês "parcours", que significa percurso- consiste basicamente em correr, pular, escalar e fazer manobras, tudo isso usando como obstáculos muros, canteiros, carros e outros objetos da paisagem urbana. Apesar de muitas vezes ser feito em grupo, ele também pode ser praticado individualmente, no trajeto para o trabalho ou para a escola, por exemplo.
Desenvolvido pelos franceses David Belle e Sebastien Foucan, o esporte foi se alastrando para outros países principalmente por meio da internet. Os vídeos e fotos com imagens das manobras feitas pelos "traceurs" -como são chamados seus praticantes- rodaram o planeta e foram reproduzidos por pessoas dos mais diversos lugares.
No início do ano passado, um desses vídeos foi parar nas mãos do animador brasileiro Jacques Kaufmann, 28. "Fiquei impressionado, mostrei para os meus amigos, a gente se empolgou e começou a fazer", conta ele, que montou, com os amigos, o grupo Le Parkour Brasil, que se reúne periodicamente para treinar o esporte. Assim como Jacques, que já lutava kung fu, muitos adeptos do "parkour" têm em comum o trajeto pelas artes marciais. "Alguns movimentos são parecidos, como o rolamento no chão", diz Jacques.
Outro integrante do grupo, o psicanalista Eduardo Bittencourt, 29, diz que, além de treinar quatro vezes por semana, percorre os 40 minutos a pé para o trabalho praticando uma modalidade um pouco mais leve do esporte, que ele chama de "miniparkour". "Sempre levo para o meu consultório uma maleta com roupa esportiva. Tento usar as calçadas de forma criativa, andar pelas cerquinhas, saltar canteiros e pequenos lugares. É algo que exige muito equilíbrio", conta Eduardo, que, devido à idade média dos participantes -quase todos com pouco mais de vinte anos-, se diz "praticamente um vovô do "parkour'".
"Muitas pessoas querem fazer uma atividade física que emagreça e deixe o corpo mais ágil sem precisar ir a uma academia", diz o instrutor de defesa pessoal Leonard Akira Hka, 21, que dá também dá algumas aulas de "parkour" em Bauru e Botucatu (interior paulista).
Ele conta que um aluno, que é executivo, usou as técnicas que aprendeu para driblar um engarrafamento. "Ele estava atrasado e ficou preso no trânsito. Estacionou o carro, tirou o blazer, colocou uma regata e saiu correndo e fazendo "parkour". Ao chegar ao trabalho, se enxugou e entrou no prédio na hora exata."
Segundo Leonard, esse aluno não assume publicamente que pratica o esporte. "Ainda existe um preconceito envolvido. É uma atividade muito rápida, alguns acham até que estamos fugindo da polícia", diz.
De fato, a reação das pessoas ao "parkour" nem sempre é de simpatia. Se há transeuntes que se admiram, param para ver e tiram fotos, outros consideram vandalismo e chegam a chamar a polícia. "Quando eu estou sozinho, as pessoas se surpreendem e acham que sou meio maluco. Quando o grupo está junto, é quase um evento. Tem uma coisa de arte e de criatividade, de improvisar com o espaço que se tem. Muita gente gosta e pára para olhar. Mas tem outro time que acha que estamos destruindo o lugar", diz Eduardo.
Para evitar conflitos, muitos praticantes do "parkour" seguem algumas regras, das quais a não-invasão do espaço privado é a principal. "Há várias regras de bom senso, como não pular carro ou casa dos outros. O "parkour" é um esporte mesmo, não um ato rebelde", afirma o bailarino Diogo Granato, 28, que decidiu começar a treinar quando viu os "traceurs" fazendo manobras na frente da casa onde mora.
"A gente tenta deixar o lugar exatamente como estava quando entramos", resume Jacques. "Não podemos colocar em risco os objetos públicos nem invadir o espaço do próximo", diz Leonard.

EXERCÍCIO COMPLETO
O "parkour" é uma atividade puxada, que trabalha várias partes do corpo e exige uma boa dose de equilíbrio. "É um exercício físico completo. No dia seguinte, você está totalmente cansado, não tem nenhum músculo que você não tenha usado. É um exercício aeróbico, de impacto muscular e ósseo", afirma Diogo.
De acordo com os "traceurs", isso não significa que pessoas sem um grande preparo físico não possam se aventurar no esporte. "São movimentos que qualquer um pode fazer. No início, você pula de lugares baixos, claro, mas é uma questão de auto-superação", diz Eduardo. "Correr, pular, saltar e escalar são coisas que o ser humano faz há milhares de anos e que todos deveríamos conseguir fazer naturalmente. O que acontece é que, com a vida moderna, nosso corpo acaba se despreparando", completa Jacques.
O importante é fazer um bom aquecimento antes e treinar a forma correta de realizar as manobras para amortecer o impacto. Há praticantes que usam joelheiras, luvas e caneleiras, mas muitos se valem apenas de uma roupa confortável e um bom tênis.
Se for malfeito, o esporte pode ser perigoso. "Tem que tomar cuidado para não se machucar. Tem que aquecer antes e fazer os movimentos da maneira mais leve possível. Além disso, o praticante não pode ser obeso para não sobrecarregar o joelho", diz Leonard.
Diferentemente do que ocorre com a maioria dos esportes, não há campeonatos de "parkour". "A proposta atual é de que não se torne um esporte competitivo. A idéia é a superação pessoal", diz Eduardo.
Alguns países, como a Inglaterra, já têm academias de "parkour". No Brasil, por enquanto, quem quer aprender tem de se juntar a um grupo ou treinar os movimentos inspirado nos vídeos -sempre com bom senso, já que algumas manobras exigem cautela e só devem ser feitas por praticantes experientes.
A internet é o melhor lugar para encontrar os "traceurs": muitos deles se reúnem em blogs e em fóruns virtuais. No site de relacionamentos Orkut, por exemplo, as comunidades sobre o esporte têm centenas de membros.
Não é possível saber ao certo quantos praticantes do "parkour" há no Brasil atualmente, mas, pelo que parece, o interesse está aumentando. "Está crescendo numa velocidade incrível. Toda semana tem gente nova experimentando pela primeira vez", conta Diogo.


Sites
www.fotolog.terra.com.br/leparkour
www.leparkourbrasil.blogger.com.br
www.le-parkour.com



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