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FAMÍLIA
Quando os pais apanham
[...]
HÁ PAIS QUE ACHAM "BONITINHO" UMA CRIANÇA
DE TRÊS ANOS DAR TAPAS, MAS, MAIS ADIANTE, FICAM SEM SABER IMPOR LIMITES
|
ANNA CAROLINA CARDOSO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O que já foi considerado absurdo tem se
tornado uma cena
cada vez mais corriqueira. Diante de uma recusa
ou de uma frustração, a criança
parte para a agressão física.
Elas atiram objetos, mordem,
chutam e dão tapas e socos nos
próprios pais -que, na maioria
dos casos, perdem completamente o controle da situação.
Segundo a psicanalista Silvana Rabello, professora da PUC
(Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, a reação exagerada é uma resposta à falta de
limites. "Os padrões modernos
de educação fazem com que os
pais se sintam culpados por fazer restrições às crianças, tão
preocupados que estão em serem gentis e amados", diz.
Para a psicóloga Leila Tardivo, professora da USP (Universidade de São Paulo), embora
faltem estudos sobre o fenômeno, trata-se de algo recente.
"Está relacionado à liberalidade na educação e a uma maior
aproximação entre pais e filhos.
Mas não é porque a criança é
pequena que não faz mal."
Segundo ela, o fato de as
crianças não aceitarem as poucas vezes em que são contrariadas ajuda a explicar as atitudes.
A psicóloga Ceres Alves de
Araújo, também da PUC-SP,
acredita que estamos diante de
uma geração de crianças superpoderosas, que não aceitam a
autoridade dos pais, inseridas
em uma sociedade que substituiu o patriarcado pelo "filiacardo". "Elas mandam na casa e
os pais obedecem. São pequenos "tiranos" que querem impor
seus desejos", afirma.
Isso, para ela, é consequência
de uma educação que, de extremamente autoritária, passou a
extremamente liberal. O resultado é a formação de um adulto
frágil, que não aprendeu a obedecer e a fazer a mediação entre
suas necessidades e as alheias.
Rabello observa que não é incomum que os pais "achem bonitinho" uma criança de três
anos dar tapas, já que nem sempre veem isso como uma atitude agressiva. Mas, depois que
essa criança cresce, encontram
dificuldades para impor limites. "Geralmente, o problema
incomoda mais quem está ao
redor do que os pais", diz.
Sem saber como reagir, os
pais acabam fazendo o gosto do
filho e, com isso, alimentam a
situação. As crianças entendem
que, com esse tipo de comportamento -que, além de bater,
inclui gritar e ter acessos de raiva-, vão conseguir o que querem e passam a controlar e a
chantagear os pais dessa forma.
Assim, fica estabelecido um
padrão de comunicação difícil
de reverter com o tempo.
Segundo Leila Tardivo, outra
razão para esse tipo de comportamento pode ser o mau exemplo que os filhos recebem. "Não
é para bater na criança, violência só gera violência. Se for preciso, os pais podem impor alguma limitação."
Para Rabello, é importante
que os pais estabeleçam regras
e limites claros, que não sejam
flutuantes, e que exijam que a
criança os respeite. As regras
devem ser sempre explicadas,
para que a criança compreenda
o que é aceitável e o que não é.
Nos momentos de crise, quando a criança começa a bater,
Tardivo aconselha limitar os
movimentos dela e explicar que
bater é inaceitável. "Seria absurdo revidar", diz.
Às vezes, o adulto perde o
controle e reage sendo igualmente agressivo. Nesses casos,
Rabello recomenda que, em vez
de pedir desculpas, os pais expliquem que a reação é inadequada e digam por que foram
levados aquele extremo.
Em geral, a mudança de atitude dos pais melhora o comportamento dos filhos. Mas, se
eles não sabem lidar com a situação e o comportamento passa a atrapalhar a rotina e causar
sofrimento, é hora de buscar
ajuda de um psicólogo.
Os especialistas acreditam
que, se esse comportamento
não for contido, pode se prolongar para além da infância.
Um relatório do Ministério Público espanhol, publicado no
ano passado, revelou um aumento preocupante dos adolescentes, de todas as classes sociais, que batem nos pais. "Desde os três meses de idade a
criança precisa ter limites. Na
adolescência, o diálogo deve ser
permanente, mas na infância
os pais têm que ter postura firme e coerente. É isso que possibilita, inclusive, que a criança
se sinta segura e protegida", diz
Ceres Araújo.
Colaboraram GABRIELA CUPANI e RACHEL
BOTELHO , da Reportagem Local
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