São Paulo, quinta-feira, 08 de outubro de 2009
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FAMÍLIA

Quando os pais apanham


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HÁ PAIS QUE ACHAM "BONITINHO" UMA CRIANÇA DE TRÊS ANOS DAR TAPAS, MAS, MAIS ADIANTE, FICAM SEM SABER IMPOR LIMITES


ANNA CAROLINA CARDOSO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O que já foi considerado absurdo tem se tornado uma cena cada vez mais corriqueira. Diante de uma recusa ou de uma frustração, a criança parte para a agressão física.
Elas atiram objetos, mordem, chutam e dão tapas e socos nos próprios pais -que, na maioria dos casos, perdem completamente o controle da situação.
Segundo a psicanalista Silvana Rabello, professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, a reação exagerada é uma resposta à falta de limites. "Os padrões modernos de educação fazem com que os pais se sintam culpados por fazer restrições às crianças, tão preocupados que estão em serem gentis e amados", diz.
Para a psicóloga Leila Tardivo, professora da USP (Universidade de São Paulo), embora faltem estudos sobre o fenômeno, trata-se de algo recente. "Está relacionado à liberalidade na educação e a uma maior aproximação entre pais e filhos. Mas não é porque a criança é pequena que não faz mal."
Segundo ela, o fato de as crianças não aceitarem as poucas vezes em que são contrariadas ajuda a explicar as atitudes.
A psicóloga Ceres Alves de Araújo, também da PUC-SP, acredita que estamos diante de uma geração de crianças superpoderosas, que não aceitam a autoridade dos pais, inseridas em uma sociedade que substituiu o patriarcado pelo "filiacardo". "Elas mandam na casa e os pais obedecem. São pequenos "tiranos" que querem impor seus desejos", afirma.
Isso, para ela, é consequência de uma educação que, de extremamente autoritária, passou a extremamente liberal. O resultado é a formação de um adulto frágil, que não aprendeu a obedecer e a fazer a mediação entre suas necessidades e as alheias.
Rabello observa que não é incomum que os pais "achem bonitinho" uma criança de três anos dar tapas, já que nem sempre veem isso como uma atitude agressiva. Mas, depois que essa criança cresce, encontram dificuldades para impor limites. "Geralmente, o problema incomoda mais quem está ao redor do que os pais", diz.
Sem saber como reagir, os pais acabam fazendo o gosto do filho e, com isso, alimentam a situação. As crianças entendem que, com esse tipo de comportamento -que, além de bater, inclui gritar e ter acessos de raiva-, vão conseguir o que querem e passam a controlar e a chantagear os pais dessa forma.
Assim, fica estabelecido um padrão de comunicação difícil de reverter com o tempo. Segundo Leila Tardivo, outra razão para esse tipo de comportamento pode ser o mau exemplo que os filhos recebem. "Não é para bater na criança, violência só gera violência. Se for preciso, os pais podem impor alguma limitação."
Para Rabello, é importante que os pais estabeleçam regras e limites claros, que não sejam flutuantes, e que exijam que a criança os respeite. As regras devem ser sempre explicadas, para que a criança compreenda o que é aceitável e o que não é.
Nos momentos de crise, quando a criança começa a bater, Tardivo aconselha limitar os movimentos dela e explicar que bater é inaceitável. "Seria absurdo revidar", diz.
Às vezes, o adulto perde o controle e reage sendo igualmente agressivo. Nesses casos, Rabello recomenda que, em vez de pedir desculpas, os pais expliquem que a reação é inadequada e digam por que foram levados aquele extremo.
Em geral, a mudança de atitude dos pais melhora o comportamento dos filhos. Mas, se eles não sabem lidar com a situação e o comportamento passa a atrapalhar a rotina e causar sofrimento, é hora de buscar ajuda de um psicólogo.
Os especialistas acreditam que, se esse comportamento não for contido, pode se prolongar para além da infância.
Um relatório do Ministério Público espanhol, publicado no ano passado, revelou um aumento preocupante dos adolescentes, de todas as classes sociais, que batem nos pais. "Desde os três meses de idade a criança precisa ter limites. Na adolescência, o diálogo deve ser permanente, mas na infância os pais têm que ter postura firme e coerente. É isso que possibilita, inclusive, que a criança se sinta segura e protegida", diz Ceres Araújo.


Colaboraram GABRIELA CUPANI e RACHEL BOTELHO , da Reportagem Local


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