São Paulo, quinta-feira, 09 de agosto de 2007
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família

Grávido, eu?

Novo estudo inglês comprova que, durante a gravidez das companheiras, homens podem sentir enjôo, desejo e dores

Leonardo Wen/Folha Imagem
Pedro Maciel com sua mulher, Katy da Silva, grávida de sete meses


FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

P rimeiro foram os enjôos. Depois, uma vontade incontrolável de comer doces. Não demorou muito para que viessem dores nas costas, azia, vontade de urinar constantemente e até alguns quilos a mais. Como é sua mulher, Katy, quem está carregando um bebê na barriga, o comprador Pedro Maciel, 28, ficou espantado quando começou a sentir esses sintomas, típicos de gravidez.
"Eu, que nunca gostei de doces, agora morro de vontade de comer. Cheguei a sonhar com broa de padaria. Um dia, cismei com o bolo de chocolate da minha irmã. A Katy fez um, mas não adiantou, só melhorei quando comi o da minha irmã", conta. Acostumado a dormir a noite toda, hoje ele evita beber água antes de deitar porque tem vontade de urinar de madrugada. "É como se tivesse algo comprimindo minha bexiga", compara.
Nos últimos meses, suas camisetas ficaram pequenas, já que, além de ter engordado três quilos, sua barriga vive inchada e, segundo ele, chega a "formar uma bolinha". "Mas a dor nas costas é a pior. Quando ando, pareço uma grávida."
Casada com Pedro, a auxiliar administrativa Katy da Silva, 22, grávida de sete meses, sente enjôos, azia, dor nas costas e outros incômodos e diz que acha curioso o marido também sentir. "Falei que ele parecia até ter mais sintomas do que eu", afirma, contando que ele chegou a procurar um médico, que não detectou nenhum problema fisiológico.
Após conversar com o especialista e com conhecidos, Pedro descobriu que alguns homens têm sintomas como esses quando suas mulheres estão grávidas. "Não é algo que você controla. Acho que acontece porque sou muito ligado à Katy e estou ansioso demais com o bebê, que é nosso primeiro filho, ainda por cima menina", acredita.
De fato, essa situação existe e tem até nome de doença: síndrome de couvade. Do francês "couver" (incubar), o termo também é usado para designar um tipo de ritual de culturas pré-industriais no qual o homem tem participação ativa no parto do bebê -fica de resguardo, simula dores ou se veste de mulher, por exemplo.
Como há poucos levantamentos amplos para detectar a prevalência da síndrome de couvade nos futuros pais, os dados variam muito de acordo com os critérios adotados pelos pesquisadores -nos EUA, as estimativas ficam entre os extremos 22% e 79%. No Brasil, uma pesquisa com 33 casais do Rio Grande do Sul, finalizada em 1999, mostrou que 53% dos homens expressaram algum sintoma que poderia indicar a síndrome. Um novo estudo inglês acaba de sugerir que o fenômeno é comum por lá também. Os pesquisadores, da St. George's University of London, monitoraram 282 homens que se preparavam para ser pais. O resultado foi comparado com o de um grupo controle, com 230 indivíduos. A síndrome foi confirmada em 120 dos 282 homens com parceiras grávidas.
"Foi muito mais do que eu esperava", disse à Folha o professor Arthur Brennan, coordenador do levantamento, acrescentando que a síndrome é mais comum em países industrializados. Segundo ele, alguns dos sintomas relatados foram náusea, vômitos, dores no estômago, nas costas e nos dentes, insônia e mudanças alimentares. Um dos entrevistados afirmou aos pesquisadores que sentiu cólicas semelhantes a contrações: "Minhas dores de estômago pareciam as contrações de uma mulher dando à luz. Começaram leves e foram se tornando mais e mais fortes", relatou.
O diretor comercial Dagoberto Malatesta Freitas, 36, brinca que a contração foi um dos poucos sintomas que ele não "copiou" da sua mulher durante a gravidez de sua filha Letícia, hoje com dois anos. De resto, ele a acompanhou em tudo: tinha dores de cabeça na mesma hora que ela, ia muito ao banheiro e passou a comer mais. "Fiquei 'grávido' também. Engordei pelo menos quatro quilos", lembra. No início, ele estranhou o fato porque nunca tinha ouvido falar de gravidez psicológica em homens, mas depois se tranqüilizou. "Entendi que era parte do processo. Acompanhei o pré-natal de perto, fui a todos os exames", conta. Sua mulher, a psicóloga Cláudia Guimarães Freitas, 35, afirma que até a região da cabeça que doía era a mesma no casal. Após o parto, a maioria dos sintomas desapareceu. "Vi que era resultado da nossa proximidade, já que ele estava vivenciando o processo intensamente", diz ela.

Explicações
A maioria dos especialistas diz que a síndrome de couvade está ligada a fatores psicológicos. "A gravidez acontece no corpo da mulher, mas os aspectos emocionais repercutem em toda a família. É uma fase com poder de mobilização emocional muito forte", afirma a psicóloga Maria Tereza Maldonado, autora dos livros "Psicologia da Gravidez" e "Nós Estamos Grávidos", ambos da editora Saraiva.
Segundo psicólogos e psiquiatras, os motivos pelos quais um homem apresenta sintomas de gravidez vão da forte conexão com a parceira à vontade de chamar a atenção. "Muitos vivem essa situação por solidariedade com a companheira. Às vezes, é também uma forma de não ficar 'de escanteio' numa fase em que todos os cuidados estão voltados para a futura mamãe", explica a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade da USP (Universidade de São Paulo).
Para a psicanálise, a síndrome é uma manifestação inconsciente da inveja masculina relativa à capacidade, exclusiva da mulher, de gestar um bebê. "É bem conhecido o conceito que aborda o sentimento de castração da mulher por não ter pênis. Mas pouco se fala sobre a inveja do homem a respeito da capacidade de gestar um novo ser. O ventre grávido é um símbolo muito forte, remete a fertilidade, a poder", diz Maldonado.
Segundo a psicóloga Talu de Martini, professora da Faculdade da Serra Gaúcha e autora do estudo de 1999 sobre a síndrome em pais gaúchos, acredita-se que o maior envolvimento dos homens da geração atual com a gravidez contribui para a manifestação dos sintomas. "Futuros pais que estejam mais vinculados à gestante e à gestação estariam mais propensos a apresentar esses sintomas", diz.
Carmita Abdo observa que, mesmo quando não ocorre a síndrome, os casais contemporâneos usam muito o linguajar "estamos grávidos". "É importante que os homens se envolvam para se adaptarem à nova situação da família. Não é bom que eles simplesmente toquem a vida sem introjetar seu novo papel."
Para a psicóloga Milena da Rosa Silva, autora de um estudo sobre o envolvimento dos homens com a gravidez, os pais vivem um momento de transição. "Alguns ficam muito próximos, lêem sobre o tema, vão a todas as ecografias e se emocionam. Mas ainda há pais distantes, que só se preocupam com as adaptações financeiras." Silva diz que a paternidade só tem se tornado alvo de mais pesquisas na última década. "A questão da maternidade sempre foi mais estudada. Hoje, embora a vivência da gestação seja diferente para homens e mulheres, essa fase não é mais um universo exclusivamente feminino."
Ela lembra que a síndrome de couvade não consta oficialmente no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais nem no CID (Código Internacional de Doenças) -portanto, não se trata de um diagnóstico médico oficial-, mas diz que é um conceito muito usado em pesquisas acadêmicas.
A professora de inglês Fabíola Emblick, 26, acredita que o fato de o parceiro ter tido sintomas semelhantes aos seus durante a gravidez uniu o casal. "É gostoso ver que passamos por isso juntos. Acho que era mais fácil para ele entender como eu estava me sentindo", diz ela, mãe de Laís, de três meses. Além de enjôos e desejo por doces, seu marido, o adestrador de cães Carlos Eduardo da Conceição, 33, teve dor de dente, cãibras noturnas e uma aversão repentina a carnes vermelhas. "Churrasco é comigo mesmo, mas, na gravidez da nossa filha, os dois ficamos com nojo de carne vermelha e trocamos pelo frango", conta ele, que também passou a ter mais sono do que antes.
Foi só a menina nascer para ele voltar ao normal. "Achava que era lenda essa história de 'homens grávidos', mas senti na pele. Acho que a questão psicológica afetou a parte física. Estava tão envolvido que não consegui assistir ao parto de tanta pena que fiquei da Fabíola", relata.
A psicóloga Ana Cláudia Albertoni, que atende em uma clínica de medicina fetal em Florianópolis, recomenda que as mulheres dêem espaço para que o parceiro coloque suas questões durante a gravidez. "O homem também fica ansioso, tem dúvidas sobre as mudanças que sua vida sofrerá quando o bebê nascer, se vai ser um bom pai, se vai dar conta. É importante ele falar sobre seus medos."

Hormônios
Apesar de as explicações sobre a síndrome de couvade se concentrarem em fatores psicológicos, há quem veja uma luz para a questão no estudo de oscilações hormonais no organismo masculino. Um grupo de pesquisadores da Queen's University in Kingston, no Canadá, vem analisando animais e humanos para verificar se certos hormônios podem ter relação com o comportamento paterno. Um dos estudos, feito com amostras de saliva de homens que seriam pais pela primeira vez, verificou que eles sofriam, na gravidez de suas parceiras ou logo após o parto, diminuição dos níveis de testosterona e de cortisol (ligado ao estresse) e aumento das concentrações de estradiol -um hormônio que influencia o comportamento materno.
Para as autoras, no entanto, é preciso cautela antes de fazer uma relação direta entre as oscilações hormonais e a síndrome de couvade -elas dizem que mais estudos são necessários. Segundo Ricardo Meirelles, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, "não há qualquer alteração hormonal no homem por conta da gravidez da companheira". "Os sintomas [da síndrome de couvade] são exclusivamente psicológicos", afirma.


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