São Paulo, terça-feira, 09 de agosto de 2011
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+ CORRIDA

RODOLFO LUCENA rodolfo.lucena@grupofolha.com.br

Passadas filosóficas


Pensadores, poetas e líderes encontraram inspiração no simples gesto de colocar uma perna à frente da outra


O pensamento libertário de Thoureau ganhou o mundo nas asas do movimento hippie, nos anos 1960 e 1970.
Jovens como este seu escrevinhador era, então, muito se entusiasmaram com as ideias de vida simples, comunhão com a natureza e, especialmente, desobediência civil.
Não tinha me dado conta, porém, que a doutrina do pensador norte-americano foi construída às custas de muita sola de sapato; mais do que isso: Henry David Thoreau (1817-1862) fez da caminhada o processo de construção do seu pensamento e escreveu o que é tido como o primeiro tratado filosófico sobre a caminhada ("Walking", http://thoreau.eserver.org/walking1.html, em inglês).
Não só ele, mas vários outros pensadores, poetas e líderes políticos e espirituais encontraram na repetição do simples gesto de colocar uma perna à frente da outra fonte de inspiração para suas criações ou momento de paz para fugir das remelas do cotidiano. Foi-lhes tão grato caminhar que chegaram a poetar sobre essa ação prosaica, mostrando as profundas ligações das passadas com as conquistas humanas. Essas reflexões são resgatadas com carinho e vigor em "Caminhar, uma Filosofia" (ed. É Realizações), livro que vem me acompanhando nestes meses em que lesões me obrigam a mais caminhar do que correr.
Nele, Frédéric Gros, professor de filosofia da Universidade Paris 12, estudioso da história da psiquiatria, da filosofia da pena e do pensamento ocidental da guerra, conecta trilhas perseguidas por figuras tão díspares quanto o filósofo alemão Nietzsche, o poeta francês Rimbaud e o líder indiano Gandhi.
Há também algumas filosofadas de Walter Benjamin sobre a figura do caminhante que me são caras: o sujeito que perambula pela cidade, observa o mundo e seus semelhantes e subverte valores tidos hoje como necessidades absolutas: velocidade, consumo, anonimato.
Os momentos menos agradáveis são quando Gros, por suas palavras ou manejando conceitos emitidos pelas figuras que visita, cede ao desejo de erigir verdades absolutas. Só caminhando assim ou assado se consegue determinado objetivo; só o caminhante de características "x"ou "y" pode almejar voos de pensador; só a caminhada serve à filosofia. Conceitos definitivos, por sinal, desmascarados ao longo do próprio livro.
Afinal, como sabemos todos que caminhamos, corremos, nadamos -os viventes, em geral-, o pensamento voa como e quando quer. Basta que lhe demos espaço, guarida e uma pitada de carinho. A filosofia vem de brinde.

RODOLFO LUCENA, 55, é editor do blog +Corrida (maiscorrida.folha.com.br), ultramaratonista, autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (Record)



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