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domínio do corpo
O som que existe em cada um
MARCOS DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Tudo era apenas uma brincadeira. Bater palmas, percutir o peito e estalar
os dedos foi um jeito que o paulistano
Fernando Barba, 32, criou para acompanhar
suas invenções musicais enquanto andava
sozinho pelas ruas. Na época em que começou a tirar sons do corpo e dividir essa "mania" com seus amigos de colégio, o músico
não imaginava que, alguns anos mais tarde,
fundaria o grupo de percussão corporal Barbatuques.
Mas, antes de formar o conjunto artístico,
Barba criou uma oficina de percussão corporal no Auê Núcleo Musical (SP), que montou
com outros músicos recém-formados na
Unicamp, como ele. A partir das oficinas, o
músico percebeu que o Barbatuques tinha
muito mais a oferecer às pessoas do que música. Desenvolvimento da coordenação motora, ativação da circulação do sangue, melhora da concentração e da memória, bem-estar físico e mental e redescoberta do próprio corpo são alguns dos benefícios associados, segundo Barba, à prática da percussão
corporal.
"Isso nasceu do ócio criativo. A brincadeira
foi o motor de tudo, ainda é e vai continuar
sendo", afirma Barba, que acredita que o
grupo musical é apenas uma mostra de uma
linguagem desenvolvida nas oficinas. Leia a
entrevista a seguir, em que o músico fala sobre as vantagens da prática, que vão além do
som que ela produz (mais informações no site www.barbatuques.com.br).
Folha - Quando você percebeu que o Barbatuques ia além da música, trazendo benefícios
para o corpo?
Fernando Barba - Tive de dar uma volta inteira para chegar nisso. Esse trabalho está associado às brincadeiras de criança. Acho que
a percussão corporal, bater o pé no chão, bater no corpo, cantar e fazer barulhos é uma
autoregulação do corpo, uma necessidade. A
própria criança bate palmas quando está feliz, não é? Isso está associado ao prazer.
Folha - Como essa consciência surgiu?
Barba - A cada dia, descobria jogos diferentes, exercícios que faziam o aluno não só adquirir uma técnica mas descobrir uma linguagem, entrar em contato com ele mesmo,
com o som dele. Numa improvisação, tem
gente que gosta de fazer um som pano de
fundo, que ajuda a sustentar outros sons.
Existem aqueles que gostam de aparecer, de
fazer um som superclaro, que contagia ou
que, às vezes, pode encobrir o som dos outros. Comecei a reparar que, por meio dessas
dinâmicas, iam aparecendo elementos extramusicais, mais psicológicos, de personalidade, de trabalho em equipe.
Folha - Qualquer pessoa pode aprender?
Barba - Qualquer uma. Já trabalhei com deficientes auditivos e eles também têm condição de fazer, usando suas habilidades visuais
e sensoriais. Eles sentem o ritmo da música
pela vibração e a entendem por meio de sinais visuais. Fizemos oficinas com alguns pacientes de saúde mental também. Trabalhar
com um outro código que não é verbal ajuda
muito a manter o foco.
Folha - A percussão corporal pode ajudar pessoas hiperativas?
Barba - Eu acho que sou um pouco hiperativo. Agora estou mais calmo, mas, quando eu
era criança, a percussão corporal era uma
forma de canalizar minha energia. Eu tinha
uma agitação mental muito grande.
Folha - Como é trabalhar com criança?
Barba - Acho muito importante ela perceber que a música está nela antes de tudo. Estimulamos que
ela tire som do corpo, bata na
bochecha, bata o pé no chão.
Assim, ela desenvolve motricidade. Mais tarde, perto da alfabetização, trabalhamos o raciocínio, a matemática. Tem
de seguir uma ordem: duas
palmas, dois estalos -ela
aprende a lidar também com o
abstrato.
Folha - Vocês também trabalham com ONGs...
Barba - A criança que não
tem acesso aos instrumentos
musicais vê que pode se valorizar só pelo que já tem no corpo, com o que ela faz sozinha,
o ritmo, a música. Tem um lado de auto-estima e um lado de valorização
da individualidade. É o som de cada um.
Que benefícios essa prática pode trazer?
Barba - A gente tem reparado que existem
alguns efeitos saudáveis da percussão corporal. Quando bate no seu corpo, você se massageia e ativa a circulação. Bater o pé no chão
faz o aluno ficar mais presente. A gente faz
improvisos circulares, com repetição, que
exercitam a memória e trazem bem-estar.
Trabalhamos ainda a coordenação motora.
Como essa prática ajuda a redescoberta do
corpo?
Barba - Eu era uma pessoa tímida, não tinha
uma boa relação com meu corpo, era corporalmente bloqueado. O primeiro momento
da oficina é uma volta para si mesmo. Olhar
para a mão, tentar encaixar a palma, corrigir.
Você tem de se observar o tempo todo. No
começo, muita gente tem uma certa resistência em bater no próprio peito. Tem a ver com
auto-afirmação, com o seu centro existencial.
A gente fala "eu" e bate no peito. Não é à toa.
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