São Paulo, quinta-feira, 09 de setembro de 2004 |
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outras idéias dulce critelli Independência ou interdependência?
"Sei que meu caminho só depende de
mim, de mais ninguém. Mas tenho me
sentido mal por toda essa responsabilidade...". Essas palavras, de uma leitora de 15 anos,
me fizeram pensar muito. Especialmente porque
suas idéias certamente têm eco na grande maioria de
nós.
Conheço um rapaz que não tem namorada nem amigos, mas diz não se sentir solitário quando está dirigindo seu carro, cuidando dele e lhe dando presentes (som, tapetes, polimento). E uma executiva me disse ter equipado sua casa com freezer, microondas, DVDs, TVs, notebooks e aparelhos sexuais para não precisar de nenhuma companhia. A tecnologia de consumo para a vida diária dá a ilusão de podermos viver sozinhos e de sermos auto-suficientes. Independência, solidão e auto-suficiência parecem caracterizar melhor, entretanto, a população mais abastada e que vive nos espaços mais centrais das metrópoles. Nas periferias da cidade, ainda se formam redes de solidariedade, pois a necessidade de sobrevivência e de satisfação das condições vitais básicas requer a ajuda mútua. Porém não devemos pensar, apressadamente, que a existência dessas redes de solidariedade significa que, para os mais necessitados, a interdependência é um valor. Isso pode ter sido verdade há algum tempo, quando viver em sociedade, sem romantismos, era um acontecimento mais humano ou quando o ser humano importava mais, enfim, quando não éramos tão determinados pelo consumismo e quando, então, a violência não era o recurso mais fácil e garantido para ter a posse de alguma coisa. Também para os mais necessitados, hoje, precisar dos outros também não é um valor. O que sucede é que, em nome da sobrevivência, se deve passar por cima dessa "vergonha". A crença subjacente, tanto para aquele que ajuda quanto para o que é ajudado, é que os que precisam de ajuda são os fracos e impotentes. Essa é uma crença infeliz, alicerçada no equívoco de que os homens são indivíduos solitários e de que a sociedade é só o resultado de seu somatório. Fixados no duelo entre a independência e a dependência, nem percebemos um estágio intermediário: o da interdependência. Nela ninguém comanda nem é comandado. Colaboramos uns com os outros. Fazemos acordos. Instauramos uma rede de cooperação. Nela garantimos nossa autonomia enquanto decidimos e agimos em conjunto. Na crise estrondosa que vivemos, em que pesam a violência, a corrupção, o esgarçamento dos sistemas políticos e de convivência, todo ato que busque superá-los depende da reflexão e da transformação dos valores básicos dos quais nos alimentamos. É ingênuo desconsiderá-los. E precisamente na interdependência, na cooperação e no agir em conjunto ou no contar com o outro -fundamentos da nossa condição humana- é que germina nossa salvação. DULCE CRITELLI, professora de filosofia da PUC-SP, é autora dos livros "Educação e Dominação Cultural" e "Analítica de Sentido" e coordenadora do Existentia - Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana; e-mail: dulcecritelli@existentia.com.br Texto Anterior: A máquina ainda depende do homem Próximo Texto: Poucas e boas Índice |
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