São Paulo, quinta-feira, 09 de novembro de 2000
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outras idéias
Deixaram de ter filhos por uns seis anos só para ele poder se estabilizar profissionalmente. Quando chegou a hora certa para ele, começaram a procriar sem parar
"O filho do ex-padrasto é parente?"

fábio steinberg

Com a multiplicidade de casamentos per capita, as relações familiares, se já eram bem confusas, agora se tornam impossíveis de administrar. Quer um exemplo? Depois de uns três casamentos, quem conseguiria, de estalo, recitar as datas de nascimento de cada um dos "meus, seus e nossos filhos"? Se você nunca passou pelo sufoco de esquecer o nome de uma nova sogra, uma ex-tia ou um atual cunhado, parabéns, pois faz parte de um clube exclusivo dos superdotados de memória!
Infelizmente, a complexidade da situação não se limita a lembrar nomes e datas. Atinge de igual e dramática forma o relacionamento em si, pois as variáveis emocionais são ilimitadas. Quer ver?
Eu tenho um amigo que, para não causar maiores constrangimentos, vamos apelidar de Epaminondas. Ele é um sujeito que poderíamos classificar como "charmoso-rico-irresponsável". Casou-se duas vezes. A primeira mulher se chamava A e era uma doçura de pessoa. Boazinha demais, ela estava sempre se sacrificando para que Epaminondas encontrasse a sua zona de conforto. Fazia tudo o que ele queria... Deixaram de ter filhos por uns seis anos só para que ele pudesse se estabilizar profissionalmente. Quando chegou a hora certa para ele, começaram a procriar sem parar, até o terceiro rebento. Foi justamente quando o último deles nasceu que Epaminondas percebeu que não gostava mais de A . Nada pessoal, mas os dois haviam se transformado em seres diferentes, que pertenciam a mundos incompatíveis. Doze anos de matrimônio, e os dois -ela sempre compreensiva- decidiram seguir trilhas diferentes.
Já separado, meu amigo conheceu B, que considerou logo de cara como a verdadeira mulher de sua vida. Tinham tudo para dar certo. Chegavam de relações que duraram mais ou menos o mesmo tempo e que terminaram quase que nas mesmas ocasiões. Curioso que nunca tivessem se encontrado antes, apesar das mesmas idades e de terem vivido na mesma cidade. Tinham inúmeras afinidades e até amigos em comum. Eram almas gêmeas até no número de filhos do primeiro casamento!
Casaram-se em tempo recorde. Agora, formavam um núcleo familiar de até oito pessoas: um casal e seis filhos. Não é preciso ser matemático para perceber que a probabilidade de cada um do grupo gostar dos demais sete, multiplicado pelo número de pessoas, é próxima de zero. Claro que nessas circunstâncias alguém não gosta de alguém. Foi o que ocorreu. A caçulinha dela detestava o do meio dele. O mais velho dele batia de frente com o mais velho dela. Havia outro fator de desagravo: a diferença de nível cultural familiar entre as proles dela e dele. Epaminondas não escondia seu desagrado pela educação excessivamente rígida dos filhos dela, que se casara com um sujeito muito cartesiano. Já ela achava os filhos dele muito liberais, sem limites. Além da convivência "intramuros", havia ainda o fator "parente": surgiram simpatias e antipatias com tios, sogros, primos, cunhados, sobrinhos e toda a parafernália de familiares de ambos os lados, que só tinham em comum a relação com um dos dois cônjuges. Assim, seis anos depois, B desistiu de encontrar um ponto de equilíbrio entre os dois e pediu a separação.
No momento, Epaminondas namora C. Ela, por sua vez, vem de dois casamentos anteriores, cada um tendo contribuído com um filho. O problema é que ambos os ex-maridos de C também voltaram a se casar. Estes, por sua vez, tiveram filhos com mulheres que já tinham suas próprias proles. Tecnicamente, estas terceiras crianças que vieram com as novas companheiras dos ex-padrastos não são irmãos de ninguém. Mas, na prática, fazem parte da mesma tribo.
C é uma mulher de cuca fresca. Ela até se diverte com esse cozido de emoções em que a vida a dois com Epaminondas se transformou. Ele, coitado, muito traumatizado, não pensa mais em se casar. Prefere viver o momento presente, pois não tem mais idade para essas coisas... Mas C é romântica e vê na atitude dele uma certa fuga...
Como os dois se gostam muito, concordaram em frequentar terapia de casal para ver se conseguem superar o problema. O tempo corre contra eles, pois é consenso que não dá mais, nesta altura do jogo, para fazer testes matrimoniais. As crianças envolvidas estão com as emoções suspensas, aguardando o veredicto final dos pais para ver se devem se tornar irmãos ou o quê. Alguma sugestão?


Fábio Steinberg é consultor em comunicação empresarial e responsável pelo site www.ficcoesreais.com.br




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