São Paulo, quinta-feira, 09 de novembro de 2006
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

S.O.S. família - Rosely Sayão

Crianças e jovens VIP

Toda a educação começa em casa -dessa afirmação ninguém duvida. Também sabemos agora, mais do que nunca, que não é apenas a família a responsável pela educação. Aliás, nenhuma criança deve ficar submetida apenas à prática educativa familiar se almejamos uma sociedade democrática. Como todo pequeno grupo, o familiar sempre apresenta seus preconceitos, suas próprias tradições e, principalmente, seus limites. Para isso, contamos com a escola, a segunda instituição responsável formalmente pela educação, e sabemos que ela tem enfrentado dificuldades para dar conta dessa função.
Acontece que as crianças e os jovens não se comunicam apenas com essas duas instituições -eles estão em contato permanente com toda a sociedade e observam atentamente os movimentos à sua volta, os assuntos em discussão, os temas sociais em destaque. Tal participação, mesmo que à distância, resulta em um aprendizado: a visão de como é a vida. Toda a comunidade educa, e todos têm sua quota de responsabilidade.
Nesse sentido, quero destacar uma característica do nosso estilo de viver que já invadiu a vida dos mais novos: a busca de privilégios pessoais. Nossa sociedade tem uma queda pela palavra VIP e por seu significado. O que é ser VIP? Nada mais do que se destacar por desfrutar de regalias em detrimento, é claro, da maioria.
São VIP as pessoas que têm muito mais dinheiro ou pistolão, que têm fama ou são amigas das que têm, que estão na mídia e nas colunas sociais, que consomem muito e com regularidade em determinados estabelecimentos etc. Em muitas situações, ser VIP significa ter passaporte para ser fura-fila.
Em uma reportagem da Folha do último domingo a respeito dos embalos da noite, a jornalista Mônica Bergamo mostrou bem como isso funciona para quem busca as diversões noturnas. Cliente VIP não pega fila: passa na frente, entre outras vantagens. Uma freqüentadora habitual de casas noturnas que desfruta desse privilégio declarou: "O pessoal na fila fica olhando, mas o azar é deles". Ela tem 19 anos.
Um casal de leitores, pais de um garoto de 12 anos, enviou correspondência indignada alertando para o mesmo fato em um local de diversão para crianças e adolescentes. O empreendimento oferece um serviço chamado "atração VIP" (passaporte que permite a entrada em uma atração sem a necessidade de entrar na fila).
Volto a lembrar que nunca falamos tanto sobre educação para a cidadania. Ora, o que significa isso senão ensinar a viver em comunidade e a cultivar conceitos fundamentais como justiça, igualdade, solidariedade, respeito? Mas parece que nosso discurso é vazio, já que continuamos a cultivar a cultura das vantagens, não é verdade? Na "hora do vamos ver", apelamos para a chamada "lei de Gerson".
Creio que é hora de dar um passo importante nos assuntos que envolvem a educação. Precisamos sair da reclamação para alcançar a transformação. Já reclamamos o suficiente da falta de limites das crianças e dos jovens, da forte influência da mídia no comportamento deles, da falta de respeito que eles demonstram com a autoridade dos pais e dos professores etc.
Acontece que estamos implicados com todos esses assuntos até os ossos, por isso precisamos agir e assumir nossa parcela de responsabilidade, e não apenas reclamar dos outros.
Quando decidimos que a educação para a cidadania é uma questão importante para os mais novos, precisamos dar valor a essa nossa decisão e nos empenhar pessoalmente.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


Texto Anterior: Campanha contra o câncer de pulmão
Próximo Texto: Lições de ética
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.