São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 2005
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outras idéias

thereza soares pagani

Cartilha para pais de novos alunos

Dada a importância do tema do relacionamento dos pais com as escolas nos debates atuais sobre educação, pensei em escrever sobre como temos recebido os "pais novos" e seus filhos. A relevância do tema confirmou-se depois da primeira reunião de pais deste ano.
Por circunstâncias que me impossibilitaram de participar das atividades iniciais, obtive o aprendizado de delegar aos pais veteranos a tarefa de realizá-las -o que fizeram com muito sucesso.


Assim como os pais novos devem construir seus próprios caminhos, a escola deve dar continuidade a eles, tornando coesa a comunidade


Naquela reunião, foi solicitada pelos pais dos novos alunos uma "cartilha" sobre a escola. Prontamente, uma querida avó disse: "A escola permite que cada um construa a sua cartilha, escreva ou inicie a sua história de vida, porque, sem dúvida, as crianças que passam pelo espaço são diferentes de todas as outras". Nesse mesmo raciocínio, transcrevo a carta de um pai veterano após a reunião: "A questão da cartilha é um assunto que, vira e mexe, entra em pauta principalmente nos começos de ano. Há pais antigos que defendem a idéia, mas eu sou pessoalmente contra e vou tentar explicar o porquê.
Quando fomos conhecer a escola, há alguns anos, eu e minha mulher ficamos apaixonados pelo espaço. Um menino muito simpático, que já não é mais aluno, estava sentadinho logo nos primeiros degraus e foi muito receptivo. A funcionária responsável pediu a uma criança que tinha seis ou sete anos na época que nos apresentasse o espaço e foi encantador -ela foi nos mostrando as coisas para além das coisas, com a dimensão encantada que tinham para ela.
Se me perguntarem por que a escola é tão querida e tão importante, talvez eu não saiba responder. Parte desse sentimento se deve a todo mundo que passou por lá, outra parte, ao espaço, ao clima, a alguma coisa que a gente talvez possa chamar da cultura do lugar.
Talvez não seja por acaso que, outro dia é que reparamos nisso, grande parte dos nossos grandes amigos de hoje são pais dos amigos dos nossos filhos que fizeram ou fazem parte dessa comunidade social, filosófica e cultural. Como alguém já disse sobre a Mooca: a pessoa sai da Mooca, mas a Mooca não sai do coração da pessoa.
Alguns pais organizaram uma festa, e conseguimos contatar alunos antigos, um indicando o telefone de outro. Muita gente ficou muito tocada: um grupo de marmanjos, de uns 18 anos, quis subir na torre para ouvir de novo as 'histórias de terror', uma ex-aluna, cega, agora já moça, saiu por lá tateando, reconhecendo os lugares.
O que eu quero dizer é o seguinte: se a gente faz uma cartilha, não tem jeito, a gente acaba criando um manual de comportamento, um desfilar de regras de conduta. Não acredito que alguém apreenda alguma das sensações que, pelo menos para mim, fazem da escola um lugar tão especial, por algum livro de conduta. É meio difícil no começo? Acho que é. Angustiante? Claro. Mas não tem jeito. O negócio é todos nós, pais novos e velhos, irmos tateando como a moça cega no aniversário. Como dizia Guimarães Rosa, a escola está sempre pronta, mas nunca terminada. É processo.
Quanto à cultura do lugar, ela vai se transmitindo e as crianças são muito boas nisso: os grandes vão percebendo a responsabilidade de transmitir aos menores os valores do lugar -percepção também nem sempre simples, mas sempre aguda.
Talvez algumas coisas se percam -não estou certo de o ex-aluno, quando saiu, ter conseguido passar para algum dos mais novos a sua incrível técnica de agarrar galinha. Mas também não se pode querer tudo."
Assim como os pais novos devem construir seus próprios caminhos do cuidar, a escola deve dar continuidade a eles, formando uma comunidade coesa e pronta a ser revista nos moldes atuais. Deverá ser participativa em todos os sentidos. Senhores pais, vivam essa experiência e assim verão o ótimo resultado que já estamos colhendo. É preciso ter paciência, perseverança, coerência e espírito esportivo e não engolir sapos até que a verdade apareça.

THEREZA SOARES PAGANI ("Therezita") é educadora e diretora da Tearte, escola de educação infantil
@ - tepagani@uol.com.br



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