São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 2005
Texto Anterior | Índice

s.o.s.família

rosely sayão

Vestibular é único objetivo de pais e escolas

Nos últimos meses, pudemos acompanhar quase diariamente, na maioria dos jornais, reportagens dos mais diversos tipos e com diferentes enfoques a respeito do vestibular. Já, nos últimos 15 dias, foram os trotes que chamaram a atenção tanto da imprensa quanto de quem transitou pelas ruas próximas das faculdades. Calouros com os corpos pintados, alcoolizados, obedecendo a ordens esdrúxulas dadas por veteranos dispostos a humilhar e a tomar algumas cervejas com o dinheiro coletado pela moçada foi o que mais pudemos encontrar. E os recém-ingressos nas faculdades nem sempre desgostavam da situação a que estavam sendo submetidos. Afinal, passaram no vestibular e a grande conquista estava sendo publicamente anunciada. Esse assunto rende uma boa conversa.


Muitas escolas de educação infantil já se defrontam com pais que querem saber se o projeto escolar considera o exame para o ingresso na faculdade


Desde muito cedo, o tema vestibular passa a fazer parte do cotidiano de crianças e jovens. Muitas escolas de educação infantil já se defrontam com pais que querem saber se o projeto escolar considera o exame para o ingresso na faculdade. É possível uma coisa dessas? A criança nem bem entende direito o que é escola e o que significa ser aluno, e os pais já pensam no vestibular. Durante todo o ensino fundamental, professores e pais continuam com a ladainha: usam e abusam da ameaça do vestibular para tentar fazer a garotada estudar. O grande diferencial das escolas, para muitos pais, é que ela prepare bem seus alunos para passar no tal exame.
E no ensino médio, então? Muitos alunos que freqüentaram durante oito anos a mesma escola são encorajados, quando não obrigados, pelos pais a mudar justamente nessa hora -e não por um motivo justo, mas porque uma outra tem mais tradição ou é mais eficaz em classificar alunos para cursar determinadas faculdades.
O fato é que passar no vestibular acaba se tornando o grande desafio dos jovens, a grande meta da vida, uma das coisas mais importantes a almejar. O grande problema é que tudo pára por aí mesmo. Passou no vestibular, pronto: a caminhada termina, pois o objetivo foi alcançado e nada mais faz sentido para muitos dos jovens então universitários, antes tão concentrados na meta a alcançar. Os pais entraram de cabeça nesse equívoco e boa parte das escolas foi junto. Basta ver as enormes propagandas que as escolas de ensino médio ostentam nas ruas das grandes cidades para constatar o que elas -e os pais também- valorizam: os primeiros lugares nos exames vestibulares, a quantidade de alunos que conseguiram acesso às faculdades. Se o aluno aprendeu a viver e a conviver no espaço público, se experimentou verdadeiramente as responsabilidades e os deveres decorrentes da vida em grupo, se vivenciou a solidariedade com os colegas, se teve a oportunidade de se tornar aluno e apreciar o conhecimento, isso não importa. Importante mesmo é entrar na faculdade.
Já sair dela é uma outra história. Os professores universitários conhecem de perto, bem de perto, o desinteresse e a passividade dos alunos do chamado ensino "superior". Fazer faculdade, hoje, significa a oportunidade de viver na farra para grande parte dos jovens. Abandonar o curso escolhido, perder o interesse pelos estudos, trocar várias vezes de curso e deixar disciplinas pendentes ano após ano são práticas cada vez mais comuns na vida universitária.
Muitos dos jovens, antes tão envolvidos com o estudo que possibilitaria a entrada na faculdade, passam a mostrar interesse em abandonar a escola para dedicar-se a algum tipo de atividade profissional que dispense a graduação. O que é que estamos fazendo com esses jovens?
Já está na hora de deixar de dar tamanha importância ao vestibular e de apontar a vida de filhos e alunos para essa direção. Os jovens merecem orientação melhor na vida, eles precisam dessa chance. E cabe a nós, adultos, essa tarefa. Pais e professores bem que poderiam se unir para dar um basta a tanta bobagem. Que tal os alunos aprenderem literatura para entender melhor a vida em vez de estudarem o resumo e a análise de grandes obras literárias para passar no vestibular?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha).
@ - roselysayao@folhasp.com.br



Texto Anterior: Pergunte aqui
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.