São Paulo, quinta-feira, 10 de maio de 2007
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Entrevista

Doação universal

Integrante da equipe que descobriu como transformar todos os sangues em tipo O diz que incompatibilidade de tipo sangüíneo é o principal vilão nas transfusões

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

A contaminação pelos vírus da Aids ou da hepatite costuma ser a maior preocupação de quem vai receber uma transfusão de sangue. Mas o principal risco desses procedimentos é outro: receber sangue de um grupo sangüíneo incompatível. Geralmente relacionado a falha humana, esse problema é responsável por metade das mortes decorrentes de transfusão sangüínea nos Estados Unidos, afirma Martin Olsson, professor de hematologia da Universidade de Lund, na Suécia.
Olsson integra a equipe que descobriu como converter sangue dos tipos A, B e AB, que são de uso restrito, em tipo O, que pode ser recebido por qualquer pessoa. O sangue ECO (convertido por meio de enzimas para o grupo O, na sigla em inglês) pode gerar mais segurança para os pacientes e melhorar a forma como os estoques de sangue são administrados atualmente, afirma o pesquisador.
O estudo ganhou atenção mundial ao ser recentemente publicado na "Nature Biotechnology". Olsson apresentou os principais dados do trabalho no 15º Simpósio Internacional de Hematologia e Hemoterapia, realizado pelo Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, no mês passado.

Leia os principais trechos da entrevista que Olsson concedeu à Folha após a palestra.

FOLHA - Quais são as vantagens dessa descoberta para quem precisa de transfusão de sangue?
MARTIN OLSSON -
Há duas principais vantagens: a segurança do paciente e o estoque de sangue. Isso significa, em primeiro lugar, que você não correria o risco de receber sangue do grupo errado -uma das coisas mais perigosas em transfusão. Nós sempre nos preocupamos com HIV e hepatite, mas somos muito bons em combater isso. Então esse tipo de problema é raro, pelo menos na maior parte do mundo. O que ocorre em todos os países, especialmente nos EUA, é que metade das mortes após a transfusão são devidas ao grupo ABO: receber sangue de um grupo incompatível.

FOLHA - Por que isso acontece?
OLSSON -
Por troca nas bolsas ou por problemas na hora de classificar ou identificar o sangue. Conheço um caso em que a pessoa emprestou a identidade de outra para fazer um aborto e a equipe do hospital deu o sangue de acordo com o documento. Devido a muitos fatores -a maioria por falha humana-, as pessoas recebem o sangue errado. Com o sangue ECO, isso não aconteceria. A segunda vantagem é o abastecimento de bancos de sangue. Temos muitos problemas em dar o tipo correto de sangue aos hospitais- transportamos as bolsas de um lado para o outro e o sangue fica velho porque ninguém precisa do grupo B naquele dia. Não teríamos mais esse problema. Isso também representa segurança para o paciente, pois é ruim para ele quando não há estoque de sangue suficiente.

FOLHA - Mas outros aspectos também são considerados na transfusão, como o fator Rh. Isso não continuaria a ser um problema?
OLSSON -
Nós focamos apenas no ABO, que é o que mata as pessoas. O Rh pode matar fetos ou recém-nascidos em ocasiões raras, mas nunca ouvi falar de um paciente que morreu devido à incompatibilidade com o Rh na transfusão. É importante dar o sangue com o Rh correto, mas, se isso não ocorrer, não é tão sério.

FOLHA - Em quanto tempo você espera que o ECO esteja disponível?
OLSSON -
Normalmente, quando você apresenta as informações básicas da descoberta numa publicação científica, está a quilômetros de distância da prática clínica. Por sorte, nosso caso não é tão ruim, pois já iniciamos os testes clínicos. Mas eu não posso dar um prazo. O que eu disse na apresentação é que em 2010 talvez alcancemos algo assim, mas isso depende de investimentos.

FOLHA - Como essa tecnologia seria aplicada em hospitais?
OLSSON -
Hoje já existem várias máquinas nos bancos de sangue para centrifugação, separação do plasma e dos glóbulos vermelhos etc. Desenvolvemos uma semelhante a essas.

FOLHA - O ECO seria muito caro?
OLSSON -
A conversão de sangue tem potencial para gerar certas economias. O transporte de sangue pode se tornar mais fácil e barato. Nos EUA, por exemplo, eles têm de classificar novamente a bolsa de sangue toda vez que ela chega a um hospital. Isso poderia acabar.

FOLHA - Mas um projeto anterior, que convertia o sangue B em O com enzimas provenientes de grãos de café, ficou inviável devido ao custo.
OLSSON -
O principal custo associado ao processo com grãos de café era o das proteínas recombinantes -que agora podemos usar numa quantidade de cem a mil vezes menor.

FOLHA - Quais são os resultados dos testes clínicos?
OLSSON -
Conduzimos dois testes clínicos até agora. O primeiro foi um pequeno estudo-piloto: se você tivesse sangue do tipo A, eu tiraria o sangue, converteria e daria a você novamente. Vimos que as pessoas que receberam essas células ficaram bem e que as células também sobreviveram como esperado numa transfusão. Depois quisemos pegar o sangue de uma pessoa e dá-lo convertido a outra, mas a FDA (agência de alimentos e remédios dos EUA) pediu mais dados sobre a segurança do projeto, então fizemos um estudo maior, com 60 pessoas. Algumas receberam o próprio sangue convertido e outras, num grupo controle, receberam o próprio sangue sem que ele passasse por essa alteração. Não houve diferença entre os dois grupos. O próximo passo é fazer esses testes de uma pessoa para outra.


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