|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
drible a neura
Como evitar futrica e confusão no condomínio
MARGARETE MAGALHÃES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A falta de convivência entre vizinhos do
mesmo prédio aumenta o incômodo
que um morador pode provocar no outro.
Às vezes, faz-se uma tempestade em copo
d'água no condomínio inteiro porque o
cachorro do vizinho late, a criança chora
ou até por causa do espirro matinal de um
morador. "A falta de convivência acaba
gerando situações como essas entre os
condôminos", afirma a professora de psicologia social Yvette Piha Lehman, do Instituto de Psicologia da USP. Para Lehman, ultimamente
as pessoas se lembram umas das outras somente pelo incômodo, mas, se os vizinhos se conhecessem melhor, as
rixas seriam evitadas."Tem gente que não conhece ninguém no prédio." Essa falta de contato prejudica o processo de conhecimento e compreensão do outro. Há situações em que o vizinho nem sabe que está incomodando, mas, diz a psicóloga, é preciso saber como avisá-lo. "Como falar faz toda a diferença."
Mas tal regra também falha. O engenheiro metalúrgico Antônio José do Prado, 43, morador de um prédio de classe média alta no Brooklin, em São Paulo, interfonou para os moradores do andar de cima porque eles arrastavam objetos na cozinha. "Comecei a conversar numa boa, mas, quando a resposta do outro lado foi "mas
vocês dormem na cozinha?", perdi as estribeiras", conta
Prado. O bate-boca rolou solto. Prado, que pensava que
esse comportamento dependia do nível social, ficou espantado.
O "barraco" e a pouca compreensão com relação aos
interesses do vizinho estão presentes tanto no Cingapura (condomínio de baixa renda composto, em geral, por
ex-favelados), na cidade de São Paulo, quanto nos edifícios de padrão mais alto. Uma pesquisa feita entre os
moradores do Cingapura pela mestre em psicologia social pela PUC (SP) Lucyvanda Moura apontou a bagunça, a falta de colaboração e o barulho como as maiores
desvantagens de viver naquele condomínio.
Ruído e barulho costumam ser as maiores causas de
atrito em edifícios. Prado diz que, quando o Corinthians
joga, seu desafeto comemora como se estivesse dentro
do estádio. Como se não bastasse, ele se diz perturbado
pelo som do salto do sapato da mulher do vizinho. "A
minha não faz isso", diz ele.
Aliás, o casal Prado parece ser exemplar: "Fazemos o
possível para nem sermos notados". A preocupação é
tanta que ele e a mulher, quando chegam em casa, tiram
os sapatos e andam com pantufas.
Silvana, mulher de Prado, já chegou a interfonar para os vizinhos para perguntar se o barulho do secador de
cabelo incomodava. "Para mim, esse deveria ser o comportamento normal entre os condôminos. A gente não
vive sozinho." Quando Prado encontra seu vizinho barulhento no elevador, diz não ter vontade nem de respirar. Mas é possível viver sem precisar desviar o olhar e
evitar entrar no mesmo elevador que o desafeto.
Quando Lecker, cachorro da raça chow chow, era pequeno e seus donos chegavam do trabalho, o animal fazia "festinha", correndo pelo chão da sala. Depois de alguns sinais -via interfone- de que o cão estava virando um problema, seus donos passaram a isolá-lo na cozinha. "Meu cachorro era novo, agora não acontece
mais. Lecker nem late", diz um dos donos.
Isolar o barulho nem sempre é uma solução pacífica.
No dia em que o estudante Rafael Dolinski, 18, comprou
sua bateria, quis estrear o instrumento imediatamente,
claro. Tirou o aparato da caixa e foi tentar as primeiras
batidas no seu quarto. "Não deu dez minutos, e choveram ligações no interfone, metendo o pau." Para ele , o
maior problema é que, nessas comunicações, ninguém
iniciava a conversa com "por favor".
Para não criar polêmica com os vizinhos, Dolinski improvisou um estúdio num quartinho esquecido na garagem do 3º subsolo. Forrou as paredes e o teto com caixas
de ovo e isopor para abafar o barulho. Ainda assim, houve quem reclamasse. "É muita neura", diz ele. "No começo só deu briga." Só depois de muita negociação, os condôminos decidiram que Dolinski poderia tocar desde que de segunda a sexta, entre 14h e 17h. Para
ele, hoje o maior incômodo é a discriminação que sofre
por parte de alguns moradores. "Olham feio, como se eu
fosse um baderneiro."
Já a professora de piano e saxofone Silvia Luisada chegou a abandonar um prazer por causa de uma vizinha.
Passou a evitar alunos particulares em casa e até perdeu
a vontade de ensaiar para apresentações, depois que a
vizinha disse que era um "porre" ouvir a mesma música
por 30 minutos. "Tem muita gente neurótica", diz ela.
Mais ou menos como a reação tolerante de Silvia foi a
dos condôminos de um prédio no bairro do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro. Em novembro de 99, três irmãs,
Juliana, 24, Mariana, 23, e Luciana, 20, agitaram uma
festa que durou até as 6h da manhã no apartamento em
que moram.
Mariana chamou 30 amigos da faculdade. Na festa havia som de DJ na varanda e cortinas para camuflar a bagunça. "Eu sei que estava fazendo coisa errada", confirma Juliana. "Por volta das 2h, o pessoal estava um pouco
exaltado, e o som, muito alto", conta rindo. O síndico
bateu à porta. Ela demorou uns 30 minutos para abrir,
enquanto escondia os convidados nos três quartos do
apartamento. "Camuflamos tudo." Quando abriu a porta, disse na maior cara-de-pau: "Não tem festa nenhuma
aqui". Depois do desmonte, a farra continuou. Hoje, ela
diz que "faria outra numa boa. É a lei da compensação,
as crianças do vizinho fazem barulho o dia todo".
Texto Anterior: Pergunta aqui Próximo Texto: Viva melhor no prédio Índice
|