São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 2000
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drible a neura

Como evitar futrica e confusão no condomínio

MARGARETE MAGALHÃES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A falta de convivência entre vizinhos do mesmo prédio aumenta o incômodo que um morador pode provocar no outro. Às vezes, faz-se uma tempestade em copo d'água no condomínio inteiro porque o cachorro do vizinho late, a criança chora ou até por causa do espirro matinal de um morador. "A falta de convivência acaba gerando situações como essas entre os condôminos", afirma a professora de psicologia social Yvette Piha Lehman, do Instituto de Psicologia da USP. Para Lehman, ultimamente as pessoas se lembram umas das outras somente pelo incômodo, mas, se os vizinhos se conhecessem melhor, as rixas seriam evitadas."Tem gente que não conhece ninguém no prédio." Essa falta de contato prejudica o processo de conhecimento e compreensão do outro. Há situações em que o vizinho nem sabe que está incomodando, mas, diz a psicóloga, é preciso saber como avisá-lo. "Como falar faz toda a diferença."
Mas tal regra também falha. O engenheiro metalúrgico Antônio José do Prado, 43, morador de um prédio de classe média alta no Brooklin, em São Paulo, interfonou para os moradores do andar de cima porque eles arrastavam objetos na cozinha. "Comecei a conversar numa boa, mas, quando a resposta do outro lado foi "mas vocês dormem na cozinha?", perdi as estribeiras", conta Prado. O bate-boca rolou solto. Prado, que pensava que esse comportamento dependia do nível social, ficou espantado.
O "barraco" e a pouca compreensão com relação aos interesses do vizinho estão presentes tanto no Cingapura (condomínio de baixa renda composto, em geral, por ex-favelados), na cidade de São Paulo, quanto nos edifícios de padrão mais alto. Uma pesquisa feita entre os moradores do Cingapura pela mestre em psicologia social pela PUC (SP) Lucyvanda Moura apontou a bagunça, a falta de colaboração e o barulho como as maiores desvantagens de viver naquele condomínio.
Ruído e barulho costumam ser as maiores causas de atrito em edifícios. Prado diz que, quando o Corinthians joga, seu desafeto comemora como se estivesse dentro do estádio. Como se não bastasse, ele se diz perturbado pelo som do salto do sapato da mulher do vizinho. "A minha não faz isso", diz ele.
Aliás, o casal Prado parece ser exemplar: "Fazemos o possível para nem sermos notados". A preocupação é tanta que ele e a mulher, quando chegam em casa, tiram os sapatos e andam com pantufas.
Silvana, mulher de Prado, já chegou a interfonar para os vizinhos para perguntar se o barulho do secador de cabelo incomodava. "Para mim, esse deveria ser o comportamento normal entre os condôminos. A gente não vive sozinho." Quando Prado encontra seu vizinho barulhento no elevador, diz não ter vontade nem de respirar. Mas é possível viver sem precisar desviar o olhar e evitar entrar no mesmo elevador que o desafeto.
Quando Lecker, cachorro da raça chow chow, era pequeno e seus donos chegavam do trabalho, o animal fazia "festinha", correndo pelo chão da sala. Depois de alguns sinais -via interfone- de que o cão estava virando um problema, seus donos passaram a isolá-lo na cozinha. "Meu cachorro era novo, agora não acontece mais. Lecker nem late", diz um dos donos.
Isolar o barulho nem sempre é uma solução pacífica. No dia em que o estudante Rafael Dolinski, 18, comprou sua bateria, quis estrear o instrumento imediatamente, claro. Tirou o aparato da caixa e foi tentar as primeiras batidas no seu quarto. "Não deu dez minutos, e choveram ligações no interfone, metendo o pau." Para ele , o maior problema é que, nessas comunicações, ninguém iniciava a conversa com "por favor".
Para não criar polêmica com os vizinhos, Dolinski improvisou um estúdio num quartinho esquecido na garagem do 3º subsolo. Forrou as paredes e o teto com caixas de ovo e isopor para abafar o barulho. Ainda assim, houve quem reclamasse. "É muita neura", diz ele. "No começo só deu briga." Só depois de muita negociação, os condôminos decidiram que Dolinski poderia tocar desde que de segunda a sexta, entre 14h e 17h. Para ele, hoje o maior incômodo é a discriminação que sofre por parte de alguns moradores. "Olham feio, como se eu fosse um baderneiro."
Já a professora de piano e saxofone Silvia Luisada chegou a abandonar um prazer por causa de uma vizinha. Passou a evitar alunos particulares em casa e até perdeu a vontade de ensaiar para apresentações, depois que a vizinha disse que era um "porre" ouvir a mesma música por 30 minutos. "Tem muita gente neurótica", diz ela.
Mais ou menos como a reação tolerante de Silvia foi a dos condôminos de um prédio no bairro do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro. Em novembro de 99, três irmãs, Juliana, 24, Mariana, 23, e Luciana, 20, agitaram uma festa que durou até as 6h da manhã no apartamento em que moram.
Mariana chamou 30 amigos da faculdade. Na festa havia som de DJ na varanda e cortinas para camuflar a bagunça. "Eu sei que estava fazendo coisa errada", confirma Juliana. "Por volta das 2h, o pessoal estava um pouco exaltado, e o som, muito alto", conta rindo. O síndico bateu à porta. Ela demorou uns 30 minutos para abrir, enquanto escondia os convidados nos três quartos do apartamento. "Camuflamos tudo." Quando abriu a porta, disse na maior cara-de-pau: "Não tem festa nenhuma aqui". Depois do desmonte, a farra continuou. Hoje, ela diz que "faria outra numa boa. É a lei da compensação, as crianças do vizinho fazem barulho o dia todo".



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