São Paulo, quinta-feira, 11 de março de 2004
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Físico faz aula de meditação e comprova resultados

ROBERT MATTHEWS
DO "FINANCIAL TIMES"

Dizem as revistas de estilo de vida que é possível "criar um novo você". Mas, quer consigamos ou não nos livrar de alguns quilinhos ou começar a correr, a verdade deprimente é que continuamos a ser as mesmas pessoas estressadas de sempre. Nossos corpos podem ficar com aparência melhor, mas nossas mentes serão as mesmas, e não temos como mudar essa situação.
Ou será que temos? Será que existe o equivalente mental de uma dieta ou de exercícios para deixar nossa mente mais saudável e em boa forma?
Essa possibilidade está emergindo a partir de uma pesquisa que reúne a ciência neurológica do século 21 e a técnica da meditação budista. Seus praticantes afirmam que ela lhes confere os meios de acalmar suas mentes, observar seus processos mentais em ação e modificá-los.
Essas afirmações começam a ser confirmadas por alguns estudos científicos rigorosos sobre as experiências de pessoas que meditam. Os primeiros resultados parecem confirmar o que os budistas dizem: que a meditação permite a observação e a modificação das reações mentais.
O professor Paul Ekman, da Universidade da Califórnia em San Francisco, e seus colegas colaboraram com um lama budista tibetano altamente avançado em estudos sobre o chamado "reflexo do susto" -a reação automática que manifestamos a sons repentinos e cuja intensidade está correlacionada a emoções negativas, tais como a ira ou a infelicidade.
Sabe-se que é impossível reprimir a reação. Apesar disso, nos testes conduzidos com o lama tibetano enquanto meditava, ele praticamente não exibiu reação.
Estudos do eletroencefalograma do lama conduzidos pelo professor Richard Davidson na Universidade de Wisconsin, em Madison (EUA), apontam para uma explicação. Durante a meditação, o cérebro do lama revelou um aumento marcante da atividade no córtex pré-frontal esquerdo, região associada à sensação de bem-estar e felicidade -sentimentos que combatem o reflexo do susto.
A pesquisa pode ajudar a confirmar o que os budistas dizem sobre a meditação, mas como ela ajuda nós outros, que não podemos passar décadas praticando-a? A boa notícia é que os cientistas estão descobrindo que, assim como acontece com o estar em forma física, é preciso relativamente pouco esforço para ganhar certo nível de boa forma mental.
Um estudo publicado recentemente no "Psychosomatic Medicine" traz os resultados obtidos por funcionários de uma empresa de biotecnologia de Madison submetidos a um treinamento básico em meditação. Um grupo de 25 funcionários foi escolhido para treinar ""meditação de atenção", que envolve simplesmente o tomar consciência dos pensamentos à medida que ocorrem e deixá-los ir embora, sem julgá-los. Após oito semanas, com 14 horas de meditação, o grupo relatou um aumento importante nas emoções positivas e uma queda na ansiedade e na negatividade, em comparação com um grupo de colegas que não fizeram o treinamento. Essas reações foram confirmadas no estudo dos eletroencefalogramas: os funcionários que treinaram meditação exibiram a mesma transferência da atividade cerebral para o córtex pré-frontal já observada no lama tibetano.
Os resultados apontam para um paralelo intrigante entre bem-estar físico e mental. Pesquisas recentes sugerem que é preciso menos esforço do que muitas pessoas acreditam para chegar à boa forma física: bastam 30 minutos diários de caminhada rápida para garantir benefícios consideráveis. A julgar por esses estudos pioneiros sobre o treinamento mental budista, talvez bastem 30 minutos diários de meditação para colocar nossa mente em forma também.
Intrigado pelas evidências científicas, matriculei-me num curso breve de meditação no Centro Budista Tibetano Kagyu Samye Dzong, em Londres. O lama Zangmo, nosso instrutor sempre humorado, fez que nós começássemos com o método mais simples de meditação, conhecido como "shinay", que consiste em ficar sentado com os olhos fechados, centrando a atenção na respiração.
"É simples", pensei, mas descobri que era surpreendentemente difícil de fazer: a cada poucos segundos, minha mente começava a perder-se em longas cadeias de pensamentos. Será que paguei o cartão de crédito? Vamos ter dinheiro para fazer aquela viagem? Então, a voz mansa do lama Zangmo fazia-nos lembrar que não devíamos seguir nossos pensamentos, mas deixar que fossem embora.
No último dia do curso, eu ainda estava me esforçando para deixar a cadeia de pensamentos ir embora. Sentei-me para a última sessão de meditação com um sentimento de resignação. Mas, após cerca de 20 minutos, aconteceu: os pensamentos deixaram de invadir minha mente, e eu me senti "presente". Foi algo que me fez sentir uma satisfação estranha, como se eu, de repente, descobrisse que conseguira controlar os tripulantes desobedientes de uma embarcação.
Isso me motivou a continuar meditando. O fato de passar algum tempo apenas observando minha mente me levou a tomar consciência do caráter efêmero dos estados de espírito e a aprender a impedir que eles saiam do meu controle. Agora, quando as crianças não querem se vestir pela manhã, o ônibus escolar está prestes a partir e o cachorro não pára de latir, ainda sinto minha raiva subindo como leite fervente prestes a transbordar, mas consigo "dar um passo para trás" e, mentalmente, desligar o fogo.


Robert Matthews é professor visitante de ciência na Universidade Aston, em Birmingham, Reino Unido. Tradução de Clara Allain


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