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foco nela
Vida no interior em condomínio é objeto de estudo
BELL KRANZ - EDITORA DO FOLHA EQUILÍBRIO
O que faz moradores de pequenas cidades optarem por viver atrás dos muros
dos condomínios horizontais? Esse estilo
de vida que prolifera no interior inspirou
a tese de doutorado da socióloga Ana
Mércia Silva Roberts, defendida em fevereiro no Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp.
"Eu comecei a me perguntar por que
existem esses condomínios e me senti insatisfeita com as respostas. Trânsito agudo, poluição e violência são problemas
das grandes cidades que não se aplicam
da mesma forma acirrada a uma cidade
menor, como é o caso de onde eu moro,
em São Carlos (interior de SP). E também
não se pode considerar como justificativa
a saudade do verde, porque aqui existe a
solução de morar em sítio, por exemplo",
diz ela. Sem querer atribuir nenhum juízo de valor para o tipo de escolha, apenas
quis entender o porquê dela, acrescenta a
socióloga.
A tese leva o título "Cidadania Interditada" em alusão ao empobrecimento do
espaço público provocado pela obstrução de uma rua, por onde você é proibido
de passar. Leia a entrevista abaixo.
Folha - Como foi feito o trabalho?
Ana Mércia Silva Roberts - Fiz entrevistas
com moradores de condomínios, com
moradores com condição socioeconômica para morar em condomínios, mas que
preferiram ficar em bairros comuns, e
também com profissionais ligados à vida
em condomínio, como professores de esportes, corretores imobiliários, gerente
de empresa de segurança e delegado.
Folha - E quais as razões apontadas pelos
moradores para suas escolhas?
Roberts - A primeira questão colocada
foi a da segurança, e a segunda, da educação das crianças. Mas a questão da segurança não me satisfez. Não porque não
fosse verdadeira, mas porque achei parcial. Na verdade, a resposta segurança é
dada para tudo, uma palavra mágica que
encerra discussões. Procurei conversar
para ir um pouco além disso.
Folha - E o que você descobriu?
Roberts - Que o cerceamento pode acabar chamando mais a atenção dos ladrões, que as técnicas de segurança não
reprimem os bandidos totalmente, porque eles imaginam coisas que podem
burlar aquele sistema todo. Existe a percepção de que ninguém pode estar 100%
seguro, apesar da guarita, das câmeras...
Folha - E em relação ao argumento educação das crianças?
Roberts - Essa questão é interessante.
Foi utilizada tanto por quem mora como
por quem não quer morar em condomínio. Os primeiros dizem que é um ambiente seguro para as crianças, que elas
podem brincar na rua, andar de bicicleta
sem preocupação. E as pessoas que não
querem morar em condomínio alegam
que a educação da criança envolve negociação por diferenças, que elas não estariam propiciando isso em um condomínio. Uma mãe contou que adorava morar
lá dentro, mas um aspecto a preocupava:
a dificuldade de colocar regras e hábitos
às crianças, porque a vida dentro de um
condomínio é como se fosse viver em um
eterno clube. É muito complicado convencer a criança a fazer suas lições, a entrar às 22 h em casa, porque é muito convidativo sempre ficar nas piscinas com os
amiguinhos, está todo mundo disponível
o dia inteiro. O próprio filho dela dizia
que a diferença entre ele e os amigos da
escola era que eles não tinham aquela piscina gostosa sempre à disposição.
Folha - E não acaba sendo uma forma de
os pais se eximirem da educação?
Roberts - Sim, e aí começa a complicar
para as pessoas que são a favor de colocar
regras. E acho que esse é um problema
que se mostra de uma forma aguçada.
Folha - Na dificuldade em seguir regras
fora dos muros?
Roberts - Ah, sim, e também dentro deles não existe muita facilidade para
acompanhar regras.
Folha - Porque ali é um grande clube.
Roberts - É tudo permitido.
Folha - Você fala na tese de uma "legislação paralela".
Roberts - Legislação paralela entre aspas, porque ela não tem existência real,
mas as regras se aplicam ao ambiente interno.
Folha - Como?
Roberts - Podem ser pequenos roubos,
mas que são abafados. É como se a comunidade interna fosse entender e perdoar o que fora seria uma infração.
Folha - E o que mais a surpreendeu?
Roberts - Nessa procura por uma resposta à minha dúvida, cheguei à questão
do status, no sentido de que, ao escolher
uma moradia que está entre muros, você
está dizendo "eu sou diferente". Na sociedade atual, as pessoas são diferenciadas pela sua capacidade de consumo. E
depois eu vi que isso existe até internamente.
Folha - Entre os próprios condôminos?
Roberts - Sim, há uma disputa implícita
e um código, cuja detenção faz a pessoa
subir ou não na hierarquia.
Folha - Você pode citar um exemplo?
Roberts - No caso de um determinado
condomínio, o que valia era a fachada da
casa. Então, a pessoa investia muito na
fachada porque sabia que assim iriam
perceber a sua posição, aí o outro faz
uma fachada mais interessante, e por aí
vai. Num outro condomínio, elegeram o
telhado, em um outro, os jardins. Então,
por que as pessoas optam em morar nesses locais? É um conjunto de várias coisas. As pessoas dão a justificativa de segurança e violência, falam de educação
de crianças, mas eu acho que há mais por
trás disso, como o status.
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