São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 2002
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foco nela

Vida no interior em condomínio é objeto de estudo

BELL KRANZ - EDITORA DO FOLHA EQUILÍBRIO

O que faz moradores de pequenas cidades optarem por viver atrás dos muros dos condomínios horizontais? Esse estilo de vida que prolifera no interior inspirou a tese de doutorado da socióloga Ana Mércia Silva Roberts, defendida em fevereiro no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.
"Eu comecei a me perguntar por que existem esses condomínios e me senti insatisfeita com as respostas. Trânsito agudo, poluição e violência são problemas das grandes cidades que não se aplicam da mesma forma acirrada a uma cidade menor, como é o caso de onde eu moro, em São Carlos (interior de SP). E também não se pode considerar como justificativa a saudade do verde, porque aqui existe a solução de morar em sítio, por exemplo", diz ela. Sem querer atribuir nenhum juízo de valor para o tipo de escolha, apenas quis entender o porquê dela, acrescenta a socióloga.
A tese leva o título "Cidadania Interditada" em alusão ao empobrecimento do espaço público provocado pela obstrução de uma rua, por onde você é proibido de passar. Leia a entrevista abaixo.

Folha - Como foi feito o trabalho?
Ana Mércia Silva Roberts -
Fiz entrevistas com moradores de condomínios, com moradores com condição socioeconômica para morar em condomínios, mas que preferiram ficar em bairros comuns, e também com profissionais ligados à vida em condomínio, como professores de esportes, corretores imobiliários, gerente de empresa de segurança e delegado.

Folha - E quais as razões apontadas pelos moradores para suas escolhas?
Roberts -
A primeira questão colocada foi a da segurança, e a segunda, da educação das crianças. Mas a questão da segurança não me satisfez. Não porque não fosse verdadeira, mas porque achei parcial. Na verdade, a resposta segurança é dada para tudo, uma palavra mágica que encerra discussões. Procurei conversar para ir um pouco além disso.

Folha - E o que você descobriu?
Roberts -
Que o cerceamento pode acabar chamando mais a atenção dos ladrões, que as técnicas de segurança não reprimem os bandidos totalmente, porque eles imaginam coisas que podem burlar aquele sistema todo. Existe a percepção de que ninguém pode estar 100% seguro, apesar da guarita, das câmeras...

Folha - E em relação ao argumento educação das crianças?
Roberts -
Essa questão é interessante. Foi utilizada tanto por quem mora como por quem não quer morar em condomínio. Os primeiros dizem que é um ambiente seguro para as crianças, que elas podem brincar na rua, andar de bicicleta sem preocupação. E as pessoas que não querem morar em condomínio alegam que a educação da criança envolve negociação por diferenças, que elas não estariam propiciando isso em um condomínio. Uma mãe contou que adorava morar lá dentro, mas um aspecto a preocupava: a dificuldade de colocar regras e hábitos às crianças, porque a vida dentro de um condomínio é como se fosse viver em um eterno clube. É muito complicado convencer a criança a fazer suas lições, a entrar às 22 h em casa, porque é muito convidativo sempre ficar nas piscinas com os amiguinhos, está todo mundo disponível o dia inteiro. O próprio filho dela dizia que a diferença entre ele e os amigos da escola era que eles não tinham aquela piscina gostosa sempre à disposição.

Folha - E não acaba sendo uma forma de os pais se eximirem da educação?
Roberts -
Sim, e aí começa a complicar para as pessoas que são a favor de colocar regras. E acho que esse é um problema que se mostra de uma forma aguçada.

Folha - Na dificuldade em seguir regras fora dos muros?
Roberts -
Ah, sim, e também dentro deles não existe muita facilidade para acompanhar regras.

Folha - Porque ali é um grande clube.
Roberts -
É tudo permitido.

Folha - Você fala na tese de uma "legislação paralela".
Roberts -
Legislação paralela entre aspas, porque ela não tem existência real, mas as regras se aplicam ao ambiente interno.

Folha - Como?
Roberts -
Podem ser pequenos roubos, mas que são abafados. É como se a comunidade interna fosse entender e perdoar o que fora seria uma infração.

Folha - E o que mais a surpreendeu?
Roberts -
Nessa procura por uma resposta à minha dúvida, cheguei à questão do status, no sentido de que, ao escolher uma moradia que está entre muros, você está dizendo "eu sou diferente". Na sociedade atual, as pessoas são diferenciadas pela sua capacidade de consumo. E depois eu vi que isso existe até internamente.

Folha - Entre os próprios condôminos?
Roberts -
Sim, há uma disputa implícita e um código, cuja detenção faz a pessoa subir ou não na hierarquia.

Folha - Você pode citar um exemplo?
Roberts -
No caso de um determinado condomínio, o que valia era a fachada da casa. Então, a pessoa investia muito na fachada porque sabia que assim iriam perceber a sua posição, aí o outro faz uma fachada mais interessante, e por aí vai. Num outro condomínio, elegeram o telhado, em um outro, os jardins. Então, por que as pessoas optam em morar nesses locais? É um conjunto de várias coisas. As pessoas dão a justificativa de segurança e violência, falam de educação de crianças, mas eu acho que há mais por trás disso, como o status.



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