São Paulo, terça-feira, 11 de outubro de 2011
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Dá licença de ser tímido?

Na contramão de um tempo que estimula a exposição, a popularidade e a incontinência verbal, há quem defenda o valor e os direitos do temperamento mais recolhido

GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO

Em um mundo que não para de falar, ser tímido é quase ser doente. Na escola, a participação em aula vale nota; no trabalho, a vaga depende da dinâmica de grupo.
Está mais difícil cultivar e se orgulhar do temperamento "para dentro". Dê um Google e veja: "perder a timidez" e "vencer a timidez" lideram as buscas sobre o tema.
"Nossas instituições estão montadas para acomodar o talento dos extrovertidos. O introvertido fica de lado, gastando energia na tentativa de ser diferente", diz a autora americana Susan Cain.
Tímida confessa, ela diz que graças a isso pôde formar alianças e negociar, nos sete anos em que advogou para grandes corporações. "A impressão de que ser tímido é uma desvantagem não é verdadeira", disse Cain à Folha. "Para ser criativo, você deve tolerar a solidão."
Ela diferencia timidez e introversão: uma é o medo de julgamento social e atinge metade das pessoas; outra é a preferência por ficar em lugares tranquilos e com poucos estímulos, tendência encontrada em cerca de um terço da população, segundo as estimativas da autora.
Hoje, Cain mantém um blog com pesquisas sobre o "poder dos introvertidos" e se prepara para lançar o livro "Quiet" (quieto) nos EUA. Em artigo publicado em junho no "New York Times", Cain afirmou que tímidos e introvertidos correm menos risco de ser internados, de se envolver em acidentes e são predispostos a aprender e a manter uma relação afetiva.
Ainda assim, conclui, timidez e introversão dividem o mesmo status depreciativo.

'NETWORKING'
Nos últimos cinco anos, aumentou a preocupação dos pais com a timidez dos filhos, na percepção da pedagoga Maria Claudia Poletto. "Eles acham que serão chamados à escola só porque o filho é tímido, como se fosse um comportamento errado."
Aluno falante nem sempre é bom, lembra ela. "Quem fala muito fala besteira. Para se colocar no grupo, tem que falar algo pertinente." Essa pressão é reflexo das exigências sociais na escola. "Os pais transportam para a vida das crianças o que é importante para eles. Acham que dormir na casa do amiguinho é 'networking'."
O professor de expressão verbal Reinaldo Polito estima atender 1.600 alunos anualmente no curso que leva seu nome e nas outras instituições onde leciona. Uns querem se desinibir, outros querem perder o medo de falar em público. "A pessoa está condenada a falar bem", afirma Polito. "Tudo, hoje, leva a pessoa a interagir." Para falar bem, seus alunos aprendem a contar histórias e a fazer as perguntas "certas", capazes de alimentar uma conversa.
"Num processo seletivo, o candidato será avaliado pela forma como se comunica, já que formação não é mais o diferencial."

MEDO DE CONTATO
O agente fiscal Alexandre de Aguiar Júnior, 28, prestou concurso público para fugir das entrevistas de emprego. "Gaguejava, ficava vermelho, suava", conta.
Suas dificuldades não acabaram. "Durante o dia preciso ficar falando ao telefone o tempo todo. Se pudesse, teria um trabalho que não exigisse falar com ninguém."
Casos extremos podem se enquadrar no diagnóstico de fobia social. O medo da avaliação externa é tanto que a pessoa evita o contato social. Para tratar a fobia, o terapeuta pode, aos poucos, expor o paciente a situações sociais que ele teme.
Timidez não é doença, e sim estilo, reforça a psicanalista Norma Semer. Segundo ela, o tímido ainda leva uma vantagem em relação aos desinibidos: ele pensa bem antes de decidir, é mais cuidadoso. "Agir sem pensar é um perigo. Leva a uma falta de consideração pelo outro e pela realidade."
O universitário Haiser Ferreira, 22, acredita que sua introspecção o torna mais sensível ao sofrimento alheio. "Ouço mais do que falo."
Haiser conheceu a namorada pela internet, em uma comunidade de tímidos, moderada por ele. "É mais fácil fazer amigos lá, as pessoas não estão te vendo e são parecidas com você."

PERCA A VERGONHA

CURSO REINALDO POLITO
Aulas práticas e teóricas para combater a inibição e o medo de falar em público. Doze aulas de três horas, uma vez por semana. A matrícula e as três mensalidades custam R$ 1.050 cada uma.
www.polito.com.br

INSTITUTO FALEBEM
Aulas de oratória e desinibição. Duas aulas de oito horas aos sábados ou quatro aulas de quatro horas durante a semana. Quatro parcelas de R$ 143,75.
www.institutofalebem.com.br

ESCOLA RECRIARTE
Usa técnicas teatrais de expressão verbal e corporal para desinibir o aluno. Aulas semanais de três horas por nove meses. A matrícula custa R$ 150, mais dez mensalidades de R$ 160 cada uma.
www.escolarecriarte.com.br

TEATRO-ESCOLA MACUNAÍMA
Jogos e improvisações teatrais. Aulas semanais de três horas por dois meses. Duas parcelas de R$ 188.
www.macunaima.com.br

CÉLIA HELENA TEATRO-ESCOLA
Aulas de interpretação e técnicas de expressão corporal e vocal. Aulas semanais de três horas de três a quatro meses. Mensalidades custam R$ 270.
www.celiahelena.com.br

Veja depoimentos sobre timidez
folha.com/987497



Texto Anterior: Roda e Avisa: Produtos, serviços e ideias para o corpo e o espírito
Próximo Texto: Frase
Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.