|
Próximo Texto | Índice
Outras idéias
O perigo silencioso das doenças assintomáticas
Temos que ter uma posição ativa na busca das formas de minimizar os fatores de risco das doenças a fim de evitar complicações
Diálogo telefônico:
- Boa noite,
o doutor não
me conhece.
O senhor me foi indicado
para tentar ajudar meu marido, que está na UTI após
ter sido operado de rotura
de aneurisma da aorta abdominal. Não sei bem o que
é isso, mas creio que seja
grave. Ele está entubado e
dependente de aparelhos e
de drogas para sobreviver.
Posso contar com a sua colaboração?
- Sim, mas antes preciso saber quem é o médico que o acompanhava.
- Médico, que médico? Meu marido tem 72
anos e nunca sentiu nada. Não faz consultas há
muitos anos nem toma remédio, embora seja
obeso, nervoso e fume muito.
Foram poucas visitas à UTI, visto que o paciente resistiu por apenas três dias. Todas as vezes em que me encontrei com a família me foi
perguntado como era possível uma doença tão
grave passar totalmente desapercebida.
É aí que nos falta, geralmente, um conceito
fundamental, principalmente para os que vivem
a sua segunda metade da vida. A maioria das
doenças importantes, que provocarão as graves
limitações durante o envelhecimento, é totalmente assintomática na maior parte do tempo,
até que se manifesta de forma explosiva. Assim
ocorre com a hipertensão arterial ou com a osteoporose. Outras provocam sinais e sintomas
que são erroneamente aceitos como "próprios
da idade", como as dores articulares e os declínios de memória, de audição ou de visão.
Não há por que aceitar isso como natural. Como regra, recomendo pensar que, quando uma
função apresenta súbito declínio, em qualquer
idade, esse fato deve ser entendido como conseqüência de uma enfermidade. Torna-se fundamental que saibamos procurá-la.
Erra, porém, quem acha que isso depende de
um processo complexo e caro. A maioria das
doenças aqui referidas é diagnosticada mediante
uma boa avaliação clínica, que inclui uma detalhada troca de informações e um exame físico.
Evidentemente, o médico deve estar preparado para saber o que está procurando. Um dos
maiores médicos de todos os tempos, sir William Osler, postulou, há mais de um século, que
"quem não sabe o que busca não sabe o que fazer com
o que encontra".
Para tal, faz-se necessária
a mistura correta de conhecimento, interesse e empatia. O profissional deve conhecer e se interessar por
todo o universo que envolve o cliente, e este poderá
contribuir para o sucesso
da interação quanto mais
participativo for. Os outros
fatores, como exames laboratoriais e de imagens, são
complementares.
Em cada fase da vida, porém, há peculiaridades de forma e de conteúdo
nessa fantástica composição de arte e ciência. O
respeito a essas diferenças permite que a intervenção seja mais eficaz, utilizando adequadamente os recursos necessários.
O caso acima relatado é um bom exemplo dessa condição. Tivesse esse paciente passado por
uma avaliação periódica, não apenas os fatores
de risco que contribuíram para a formação desse
aneurisma teriam sido evitados ou tratados bem
como essa dilatação arterial poderia ter sido detectada por uma simples palpação do abdome.
Que pena. Foi desperdiçada uma chance de
evitar essa grave doença. Além disso, não foi
possível aproveitar a oportunidade de detectá-la, de forma simples e eficaz, antes que produzisse uma grave complicação. Infelizmente, perdemos todos. Paciente, familiares, profissionais e
os sistemas de saúde. Todos foram muito onerados, física e emocionalmente.
Não basta, porém, torcer para que isso não
ocorra. Todos temos que adotar uma posição
ativa em busca das formas de minimizar os fatores de risco das doenças, bem como diagnosticá-las em fase inicial de desenvolvimento a fim de
evitar suas complicações, principais causas de
perda da autonomia e da independência no
transcorrer da vida. Sábio, portanto, é quem
procura quando tem condição de tratar.
WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital
das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
@ - wiljac@usp.br
Próximo Texto: Pergunte aqui Índice
|